O Carrefour operou uma façanha assombrosa: conseguiu unir, contra si mesmo, os dois lados da luta livre política no Brasil.
Semana passada, quando fiquei sabendo que queriam boicotar a rede de supermercados, foi em perfis da ultradireita que ainda sigo nas redes para saber o que se passa na cabeça dessa gente.
Imaginei que, provavelmente, o Carrefour tinha feito alguma campanha identitária, sei lá, uma ação afirmativa para as pessoas trans. Nem tive nem vontade de me aprofundar no tema. Deixei de lado.
Dias mais tarde, o caso cresceu. Fiquei sabendo que a revolta se devia ao fato de que o chefão da rede havia alardeado, com estrondo, que o grupo deixaria de comprar carne do Mercosul para as lojas da França.
É uma pauta caríssima para a direita adoradora do agronegócio.
Quanto à esquerda, já estava pelas tampas com o Carrefour por causa da reincidência de episódios de racismo e violência física contra pessoas negras em três bandeiras do grupo: Atacadão, Big Bompreço e o próprio Carrefour.
Houve tentativas de boicote, articuladas nas redes sociais, mas nada que tenha funcionado.
Agora, com a questão da carne, quem articulou o boicote foi o setor pecuário brasileiro, liderado pela JBS –um conglomerado de porte comparável ao do Carrefour.
Os varejistas franceses acusaram o golpe e recuaram. Não vender carne nas lojas brasileiras desencadearia um prejuízo astronômico para o grupo.
O episódio traz algumas lições:
1. As divergências políticas têm limites. Não há como sair em defesa de uma megacorporação estrangeira que prejudica a economia brasileira para atender a demandas protecionistas dos pecuaristas franceses. Mesmo quando, do outro lado do ringue, esteja o agronegócio brasileiro, com todas as chagas trabalhistas e ambientais, além de seus apoiadores lunáticos da extrema-direita.
2. A mobilização nas redes sociais pode arranhar reputações, mas nenhum boicote tramado por pessoas físicas deu resultado até hoje: nem os da esquerda, nem os da direita, contra empresas supostamente comunistas. Mas, ao suspender por um dia a entrega de carne, o agronegócio do Brasil conseguiu fazer o gigante europeu meter o rabo entre as pernas. A grana sempre fala mais alto.
3. É inacreditável que, em pleno 2024, o CEO global de uma empresa da monta do Carrefour não tenha sido capaz de calcular as consequências de suas falas. O sujeito não pôs, na planilha de prós e contras, a previsível reação de um setor com o poder do agronegócio, num país estratégico para o grupo que ele comanda. Enfim, esses executivos que escrevem livros sobre suas trajetórias de sucesso também cometem burradas colossais. Compra quem quer.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
Deixe um comentário