Ao que parecia, aquele seria mais um longo dia para Freddy Bauer, funcionário responsável por atender dezenas de ex-moradores dos acampamentos de sem-teto mais longevos de Los Angeles.
Era fim de agosto, e ele caminhava pelos corredores no exterior do Hotel Silver Lake, desviando de montes ocasionais de lixo e batendo nas portas dos quartos.
Uma fila de pessoas tinha surgido em frente a seu escritório. “O correio já chegou?”, um perguntava. “Temos mais ração para cachorro?”, pedia outro.
Havia formulários a preencher e compromissos a agendar. E também havia uma conversa que Bauer temia há dias: avisar um residente que morava ali há meses que ele teria que sair de lá. Ele havia violado as regras locais várias vezes, mexendo em fechaduras e recebendo visitantes sem permissão.
A administração da prefeita Karen Bass tem enfatizado seu êxito em desfazer acampamentos de sem-tetos e realocar seus antigos moradores em locais fechados.
Mas esse progresso depende do trabalho de Bauer e de centenas de funcionários como ele, chamados de gestores de casos. Seus esforços, em grande parte invisíveis, envolvem encontrar abrigo para pessoas que dormem ao ar livre e tentar evitar que elas voltem às ruas. O trabalho é lento e difícil.
A pergunta de por que Bauer, 31, de feições jovens e bem educado, deixou para trás um emprego no Starbucks melhor remunerado há mais de um ano paira no ar.
Mas ele diz que as recompensas intangíveis de seu trabalho como gestor de casos tornam esse esforço válido. Ele afirma que parece um milagre quando uma pessoa em situação de rua de Los Angeles finalmente se muda para o seu próprio apartamento.
‘Entenda que isso não é fácil’
Quando Karen Bass assumiu a prefeitura de Los Angeles, quase dois anos atrás, ela disse que era fundamental acabar com os acampamentos de sem-teto sem desumanizar as pessoas que vivem neles.
Seu programa emblemático, “Inside Safe”, tira essas pessoas das ruas e as leva para motéis como o Hotel Silver Lake, com a esperança de que em algum momento encontrem uma moradia de longo prazo. Ela apontou para a queda na população de sem-teto da cidade neste ano —a primeira vez em que isso acontece em seis anos— como evidência de que a sua estratégia está funcionando.
Respondendo a eleitores frustrados, outros políticos da Califórnia têm perdido a paciência com a questão dos sem-teto. O governador Gavin Newsom instou as autoridades locais a acabar com os acampamentos de maneira mais agressiva, depois que a Suprema Corte decidiu que cidades podem prender pessoas em situação de rua que dormirem em locais públicos. Conservadores acusaram ONGs de serem ineficazes e de integrarem uma suposta “indústria dos sem-teto” que não resolve o problema porque isso não é de seu interesse.
No meio de tudo isso, estão os gestores de casos.
O Hotel Silver Lake fica em uma colina com vista para o lugar em que o bairro gentrificado de Silver Lake e Koreatown se encontram. Dos quartos do motel, é possível ver o Observatório Griffith incrustado nas montanhas de Santa Monica e o letreiro de Hollywood.
O estabelecimento atendia turistas quando abriu, em 1959. Chamava-se Starlite Motor Hotel e oferecia até mesmo uma celebração de luau havaiano. Com o tempo, porém, tornou-se o lugar onde viajantes com pouco dinheiro se hospedavam ao lado de famílias de pessoas em situação de rua que juntavam dinheiro para passar uma noite em um quarto. No ano passado, os proprietários do motel concordaram em alugar a maioria dos quartos para a prefeitura e, assim, abrigar 55 pessoas sem-teto.
O objetivo dos gestores de casos é ajudar essas pessoas a obterem acesso a programas de auxílio governamental e à saúde, além de encontrarem moradia permanente. Muitos dos que estão em situação de rua não têm casa há anos, e perderam suas certidões de nascimento e outros documentos fundamentais para que eles recomecem a vida.
“Tento fazer com que minha equipe saiba que precisamos ter compaixão por todos e entenda quão difícil é o processo”, diz Stella Fonseca, 28, que gerencia o programa no Hotel Silver Lake por meio da Path, uma das maiores ONGs voltadas para a questão dos sem-teto da Califórnia.
Por outro lado, ela acrescenta que orienta os gestores de casos e quem eles atendem a agirem rapidamente: políticos podem ser substituídos, e fontes de financiamento podem mudar. O Inside Safe pode ser desmontado a qualquer momento.
Fonseca se formou com um mestrado em serviço social pela Universidade do Sul da Califórnia. Ela recebe cerca de US$ 60 mil por ano (R$ 340 mil, no câmbio atual), enquanto Bauer ganha cerca de US$ 50 mil no mesmo período (R$ 285 mil).
Em Los Angeles, onde o aluguel do apartamento de um quarto custa, em média, é de US$ 2.195 (R$ 12.500), segundo a empresa especializada Zillow, os gestores de casos não ganham o suficiente para viverem sozinhos confortavelmente. Muitos já ficaram sem ter onde morar em alguns momentos.
Os gestores de casos ajudam pessoas em situação de rua a preencher formulários, agendar consultas com psicólogos, obter vouchers de moradia e documentos de identidade. Eles enviam os formulários e acompanham o trâmite deles nas agências governamentais por telefone, email e, às vezes, pessoalmente. Bauer disse que frequentemente acompanha as pessoas que atende a sedes de órgãos governamentais.
Em um quarto do motel transformado em escritório, Bauer mexia em uma planilha enorme que rastreava se cada residente tinha sido registrado como sem-teto pelo governo, possuía documentos de identificação, tinha acesso a ajuda governamental, e em que ponto estavam na busca por uma moradia permanente. Os gestores de casos em geral atendem mais de 20 pessoas cada um.
Apenas localizar um apartamento vago não é suficiente. Bauer trabalha com indivíduos sem-teto há anos e têm questões graves de saúde mental. Eles precisam de moradia e de apoio adicional para garantir que não voltarão a ser sem-teto.
Para complicar, como toda habitação em Los Angeles, essas unidades são escassas e têm longas listas de espera. Conseguir uma propriedade muitas vezes envolve uma montanha-russa de esperanças e decepções.
O sucesso do Inside Safe será definido por quantas pessoas permanecem fora das ruas permanentemente. Ao menos 741 das 3.254 pessoas que deixaram acampamentos de sem-teto por meio do programa encontraram um lugar para viver a longo prazo, segundo a prefeitura.
Isso significa que mais de 75% dos participantes do Inside Safe ainda não encontraram uma moradia permanente. E o custo de alugar quartos temporários como os do Hotel Silver Lake foi estimado em US$ 110 milhões (R$ 625 milhões) no último ano fiscal —uma quantia insustentável a longo prazo.
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