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Era uma vez em Roliúdi – 06/11/2024 – Zeca Camargo


O cenário era bastante conhecido, estampado na memória. Não que eu lá já tivesse visitado, mas a intimidade com aquela paisagem era tão grande que era como se eu já tivesse vivido ali. Como figuração de uma obra-prima chamada “O auto da Compadecida“.

A primeira referência que vem é a do filme icônico dirigido por Guel Arraes, que fez o nobre favor de tornar inesquecíveis no imaginário brasileiro ao menos dois geniais personagens: João Grilo e Chicó.

Mas antes disso, é claro, tem a obra maior do grande escritor paraibano Ariano Suassuna, que se inspirou exatamente na história e nas paisagens que eu visitava dias atrás para criar um texto imortal.

Visitar locações de filmes famosos é quase uma modalidade turística. Já fui às portas de Westeros (“Game of Thrones”) em Malta. Passeei na dramática paisagem de “Senhor dos Anéis”, na Nova Zelândia. Joguei moedas na Fontana de Trevi, em Roma (“La dolce vita“). Chorei ao chegar em Petra e me lembrar de Indiana Jones.

Mas Cabaceiras, no Cariri paraibano, apelidada de Roliúdi Nordestina, não apenas tem o charme de ter sido a locação da clássica produção cinematográfica —e de tanta outras, inclusive o “Auto 2“, com estreia prevista para o final deste ano— mas também nos encanta pelo retrato de um Brasil especial.

Os irmãos Buriti, Pablo e Thiago já tinham me levado lindamente à região da Foz do Rio Doce (ES), uma viagem que já contei neste espaço. Desta vez, estavam em casa: a Visu, agência deles especializada em roteiros que mergulham na nossa cultura, é de João Pessoa. E com eles vivi outra epifania do Brasil.

Sabemos que o foco do turismo no Nordeste é quase sempre o litoral. E tinha que ser, com as praias deslumbrantes que temos por lá. Por isso, não deixa de ser uma bem-vinda ousadia encontrar agentes (e turistas) interessadas em explorar o interior dessa região.

O contraste da aridez desse Cariri com as imagens mais conhecidas de sol, areia e mar é revelador. É fácil imaginar porque tanta dramaturgia que envolve a cultura nordestina escolhe aquele cenário.

Mas se encantar com aquela região não é apenas uma questão estética, mas também de paixão. E aí temos que falar das pessoas.

Da Josi, afilhada da mestre pifeira Zabé da Loca. Do Lucas que comemora que os jovens já não vão mais embora de Ribeira por causa da história de sucesso do curtume de pele de bode. Da dona Lia recitando sua trajetória de resiliência no seu Memorial do Cuscuz.

Essas, e tantas pessoas que cruzei na viagem, acabam sendo o principal motivo de você viajar para lá. Cada uma delas tem uma história de beleza intrinsicamente ligada à cultura dali.

E justamente, daquele universo local, aquelas pessoas falam com o mundo. Essa foi a grande revelação. Músicas, sabores, matizes, olores. Conversas. Tudo naquele Cariri vira inspiração para quem quer ouvir.

Sem contar que quem por lá passa, no mínimo movimenta a economia circular. Só o artesanato gerou 45 mil reais nessa nossa visita. Mas quem quiser só admirar, que se achegue também.

Afinal, como diz o palhaço no final do “Auto da Compadecida”, “se não há quem queira pagar, peço pelo menos uma recompensa que não custa nada e é sempre eficiente: seu aplauso”.

E que seja de pé, pois toda essa gente merece.


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