Tudo indica que o governo do primeiro-ministro da França, Michel Barnier, vai se tornar o mais curto desde o início da Quinta República, em 1958. Ele enfrenta duas moções de censura na Assembleia Nacional, que devem ser votadas na quarta-feira (4).
A primeira moção foi apresentada pelo bloco de esquerda, o maior do Legislativo francês, nesta segunda-feira (2), após Barnier se apoiar no polêmico artigo 49.3 para passar a primeira parte de seu pacote de leis orçamentárias.
O dispositivo constitucional permite aprovações sem apreciação da Assembleia e foi usado em 2023 pelo governo de Emmanuel Macron para impor uma reforma da Previdência muito contestada por protestos massivos e criticada pela oposição.
“Em nenhum momento o governo levou em conta os votos da Assembleia e abriu caminho para discussão. A ausência de diálogo, o desprezo pelas propostas formuladas e pelo trabalho parlamentar tornam necessária a censura”, escreveu a Nova Frente Popular (NFP), composta pelo partido França Insubmissa, e por socialistas, ecologistas e comunistas.
O premiê de direita, nomeado por Macron no início de setembro, enfrenta ainda fogo da oposição de ultradireita, agrupados ao redor da Reunião Nacional (RN), partido nacionalista e anti-imigração de Marine Le Pen —que já afirmou que seus deputados apoiarão a moção de censura vinda da esquerda, embora também tenha apresentado uma moção própria.
“Barnier não quis responder ao pedido dos 11 milhões de eleitores da Reunião Nacional. Ele disse que todos terão de assumir suas responsabilidades, então assumiremos as nossas: apresentamos uma moção de censura e votaremos a favor da censura ao governo”, escreveu ela em sua conta no X.
A lei para a qual o artigo 49.3 foi utilizado sugere aumento de impostos e cortes de gastos para financiar o sistema de segurança social. Há ainda pendente a lei orçamentária geral do governo para 2025 e outra legislação para ajustar a execução de despesas relativas a 2024.
Barnier defendeu sua decisão e pediu aos parlamentares que não mergulhassem o país em uma crise. “Chegamos ao momento da verdade. Cabe agora aos membros do Parlamento decidir se nosso país terá um orçamento responsável e indispensável ou se entraremos em território desconhecido”, disse.
“Fui até o fim do diálogo que era possível com todos os grupos políticos, permanecendo sempre aberto e ouvindo”, argumentou.
O sistema político francês vive hoje uma crise de governabilidade agravada pelo resultado da eleição legislativa antecipada por Macron em junho que fragmentou o Parlamento. A Assembleia Nacional ficou dividida em três grandes blocos, nenhum deles com capacidade de obter maioria para governar ou com disposição para compor um governo de coalizão.
O bloco de esquerda, opositor de primeira hora de Macron e grupo com maior número de cadeiras no Legislativo, exigiu de início que um premiê de sua coloração fosse nomeado. Macron rejeitou a ideia e fez a indicação de Barnier, um nome da direita moderada, apenas dois meses após o pleito.
As leis orçamentárias eram o primeiro grande desafio do governo minoritário, que buscou diálogo com Le Pen. A ultradireitista, inicialmente aberta à negociação, ao cabo não viu as concessões feitas por Barnier como suficientes para que seu partido apoiasse a legislação.
Se aprovada qualquer uma das moções de censura, o gabinete de Barnier cai. Será apenas a segunda vez que o Parlamento francês tomará essa medida desde 1958.
Caberá a Macron, então, nomear outro primeiro-ministro. A Constituição do país impede que o presidente dissolva a Assembleia Nacional e convoque novas eleições como fez em junho —após uma dissolução da Casa, só depois de um ano a medida pode ser repetida.
Um novo governo (ou o atual até que Macron nomeie um novo) precisará aprovar uma lei especial para que o orçamento de 2024, com restrições, seja usado em 2025 até que uma legislação definitiva sobre o ano que vem seja adotada.
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