Um alarme disparou em todos os celulares com números de Seul na noite de quarta (4), manhã no Brasil, inclusive no aparelho usado pelo enviado da Folha, alertando para a paralisação parcial do metrô no dia seguinte.
A greve vinha em preparação semanas antes da tentativa de autogolpe promovida na terça (3) pelo presidente Yoon Suk Yeol e acabou se somando às reações da sociedade sul-coreana à frustrada manobra do chefe do Executivo.
O sindicato do transporte público divulgou nota dizendo que, além da reivindicação de recontratar demitidos e abrir mais vagas de trabalho, tratava-se agora de uma “greve contra o regime de Yoon”.
A reportagem passou cerca de quatro horas no metrô nesta quinta, nas linhas 1 e 3, que teriam sido as mais visadas pelos grevistas –junto com os trens regulares e de alta velocidade, fora da capital.
As longas esperas eram inusitadas na estação Jongno 3(sam)-ga, onde as duas linhas se encontram, mas uma passageira disse que o número elevado de pessoas na plataforma era comum para o horário. Outro, posteriormente, afirmou ter esperado 15 minutos na linha 1, descrevendo como um acontecimento bizarro.
O alvo político original do movimento era o prefeito de Seul, Oh Se-hoon, aliado de Yoon e possível alternativa a ele no Partido do Poder do Povo. Agora, os manifestantes miram toda a legenda. Houve reunião de negociação com a empresa municipal responsável na tarde desta quinta, sem acordo.
O metrô teria conseguido manter até 90% das operações, em parte recorrendo a trabalhadores terceirizados. Mas a previsão é que a paralisação se amplie na sexta (6), véspera da votação do pedido de impeachment de Yoon, proposto pela oposição liderada pelo Partido Democrático.
A greve não deve se limitar ao transporte público, aproximando-se de um movimento generalizado, prometido pela Confederação Coreana de Sindicados. Entre as fábricas ameaçadas está a montadora Hyundai.
Paralelamente, espera-se a ampliação das vigílias da sociedade civil, que prosseguem em diversas cidades do país, inclusive diante da Assembleia Nacional.
A tensão na capital prosseguiu mais um dia, com o anúncio de investigações da Procuradoria e da polícia contra o presidente, pelo crime de “traição”. Em sinal de resistência, Yoon teria rejeitado o pedido de demissão que havia sido apresentado pelo ministro da Defesa, Kim Yong-hyun. O argumento dado é que o país está sob ameaça à segurança nacional.
Também na quinta, autoridades americanas, que vinham evitando questionar o presidente, um dos principais parceiros dos Estados Unidos na região, passaram a elevar o tom crítico à tentativa de autogolpe.
O subsecretário de Estado Kurt Campbell, responsável pela forte aproximação com Yoon no governo de Joe Biden, declarou num evento nos EUA que a reação da população sul-coreana à frustrada imposição da lei marcial era “um símbolo poderoso de que as pessoas estavam preparadas para deixar claro que este foi um processo profundamente ilegítimo“.
A votação do impeachment, no mesmo prédio que soldados tentaram invadir durante a breve lei marcial, vem sendo precedida de pressões sobre a bancada governista, que precisaria ceder pelo menos oito votos para a proposta ser aprovada. No impeachment de 2016, da presidente Park Geun-hye, o quadro era semelhante –e o partido governista rachou.
Um dos efeitos da maior tensão política, repetindo o que se viu em crises anteriores, segundo relatos, é o congestionamento que tomou o distrito de Gangnam e outros na noite de quinta. É a região de grande poder aquisitivo que concentra restaurantes e bares, muitos deles lotados, sem refletir a expectativa no país.
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