Você já entrou num restaurante, abriu a carta de vinhos e teve a sensação de ter sido teletransportado para uma churrascaria em 1992? Uma carta cheia de marcas que foram sucesso naquela época, na qual a grande novidade é um malbec argentino? Quando me deparo com uma carta de vinhos assim, minha vontade é sair correndo. Tenho cada vez menos paciência para cartas caretas. Quero me surpreender!
Graças aos céus, o número de restaurantes com cartas criativas e surpreendentes é cada vez maior. Hoje é comum restaurantes contratarem sommeliers renomados para fazerem e administrarem suas cartas. As sommelières Cássia Campos e Daniela Bravin, sócias dos bares de vinho, Sede 261 e Huevos de Oro, de São Paulo, por exemplo, são responsáveis pelas cartas dos restaurantes paulistanos A Baianeira, Sororoca, Notiê, Abaru, Metzi e do novo Z Deli, entre outros. Cada restaurante é um desafio.
“No caso do mexicano Metzi”, comenta Cássia. “É preciso entender a interação da pimenta, por exemplo, com os taninos, a acidez, o grau alcoólico, o açúcar… Tem de pensar na interação das várias camadas aromáticas do prato e do vinho.”
Um grande desafio são os cardápios que trabalham com pratos compartilhados. “No Metzi”, conta Daniela. “É comum as pessoas pedirem peixe, camarão, porco… Precisávamos ter alguns coringas”. Espumantes, vinhos brancos mais encorpados, mas não amadeirados, laranjas, rosés e tintos leves costumam ser bons coringas.
No Metzi, Dani e Cássia incluirão na carta, por exemplo, o Quinta do Javali pet-nat rosé (R$ 260,00), do Douro, um corte de tinta roriz, tinta barroca e touriga franca, o rosé sul africano Vine Venom Satellites n⁰2 (R$ 340), um corte de touriga nacional, grenache, syrah e cinsault e o tinto italiano Valpolicella Novaia (R$ 220,00), do Vêneto, um corte de corvina, corvinone e rondinella. Três vinhos de tipos diferentes, mas com peso parecido, com ótima acidez, que encaram bem comidas condimentadas. Estive lá provando. Tudo casa perfeitamente.
Fazer a carta de um restaurante que tem uma adega gigante, onde o público certamente está disposto a gastar, pode parecer fácil, mas ainda assim é preciso surpreender. “O bom sommelier sempre tem algumas cartas na manga, coisas especiais guardadas, fora da carta, para surpreender quando aparece a oportunidade”, diz Ed Arruda, head sommelier do Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.
No caso de uma casa como o Cipriani, que tem uma carta de vinhos com mais de 200 rótulos, dos quais mais de 30 são champanhes e o vinho mais barato custa mais de R$ 400,00, essas surpresas costumam ser vinhos raros, safras antigas. Garrafas usadas em eventos especiais ou vendidas para clientes exigentes. Quando há um número um pouco maior delas, podem também serem incluídas no menu degustação harmonizado.
Um menu degustação harmonizado é um diálogo conceitual com a sequência de pratos do chef. Quanto mais criativo o chef, maior o desafio. Um exemplo de como isso pode ser feito lindamente é o menu degustação que celebra os 25 anos do restaurante D.O.M, em São Paulo. Tive o privilégio de prová-lo. O menu harmonizado sai R$ 1,300,00 e o não harmonizado, R$ 760,00.
O menu é uma homenagem ao sertão nordestino. Tem queijo coalho, feijão de corda, carne de fumeiro e até bode. Tudo recriado com máxima elegância por Atala. Elegância essa que é potencializada pela harmonização de Luciano, um cearense que começou a trabalhar no D.O.M. como cumim.
Luciano abriu o jantar com um Aluá (fermentado de abacaxi), feito por ele mesmo. Jogou o delicioso Trebbiano (R$ 300,00) da gaúcha Montaneus Vinhos Vivos com uma massa recheada de jabá no caldo de jerimum. Serviu um licoroso da vinícola Bella Quinta (R$ 160,00), de São Roque, feito da uva americana Niágara, com a sobremesa. E outros mais. Todos vinhos elegantes, ultra bem feitos, que provam que os vinhos brasileiros atingiram um patamar internacional de qualidade. Isso, sim, é uma surpresa para a maioria de nós!
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