Impossível cravar qual é a composição de uma ceia natalina clássica em São Paulo —terra de influências e povos múltiplos.
Há espaço para o peru, o bacalhau e as rabanadas, gostos trazidos pelos colonizadores portugueses; para o porco, herança caipira que reina no interior do estado; para o presunto tender, criado pelos americanos; e para o panetone, invenção dos italianos.
Não falta a farofa, legado indígena, e o salpicão, que parece coisa de brasileiro, mas veio da Europa —no século 14, o cozinheiro Guillaume Tirel, conhecido como Taillevent, já servia salpicão como entrada fria.
Veja, a seguir, dicas para fazer um menu natalino com entrada, prato principal, acompanhamento e sobremesa —uma estrutura pensada para reunir preparos acessíveis e tradicionais.
São responsáveis pelas recomendações profissionais como a chef Ana Soares, da rotisseria Mesa 3, acostumados ao preparo de ceias de Natal em bufês e restaurantes, que dão conta de centenas de encomendas por ano.
Além de ajudar a selecionar as receitas, eles também ensinam a evitar ingredientes mais caros da temporada e calcular quantidades adequadas a uma ceia contemporânea —que, pela composição das famílias, do orçamento e da preocupação com desperdício, não comporta mais exageros.
Assado
Figura central da ceia, é também a que mais pesa no bolso. Segundo prévia do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), divulgado em novembro pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o lombo suíno subiu 19,72% em relação ao ano passado, enquanto o pernil está 17,8% mais caro e a ave natalina, 10,92%.
Limitar a ceia a um só assado, além de economizar, facilita um bocado o preparo, já que estas são as receitas mais trabalhosas.
“Se for para escolher só um, sugiro uma ave, por ser mais democrática. As aves natalinas, que pesam em torno de 3,5 kg, servem até dez pessoas”, diz o banqueteiro Ivan Santinho, do La Cura Gastronomia, que prepara cerca de 200 ceias a cada fim de ano.
Como o azeite é o campeão dos aumentos—subiu 21,3% em um ano, segundo a Fipe —, Santinho ensina a temperar usando manteiga como base: prepare uma pasta, misturando manteiga em temperatura ambiente com ervas frescas, alho e pimenta dedo-de-moça picados, e besunte a ave por baixo da pele. “Não uso sal, porque as aves natalinas costumam vir temperadas”, explica.
Se preferir carne suína, o lombo é o corte mais recomendado para grupos pequenos. “Embora a peça de pernil seja mais bonita, é indicada para umas 12 pessoas”, diz o chef. Ele mergulha a carne em salmoura à base de água, sal e ervas para temperar —vinho, só para regar antes de ir ao forno.
Salpicão
É uma entrada fresca que pode ser preparada dias antes dos dias das festas —na hora, basta misturar os ingredientes. Cada família tem sua receita, mas alguns elementos se repetem.
“Os quatro itens obrigatórios, na minha opinião, são frango desfiado, salsão, maçã e maionese“, diz o chef José Barattino, sócio da Pastifício, de massas.
Ele modernizou a receita da avó: corta maçãs fuji em tirinhas, com as cascas, acrescenta cenoura, suco de limão e batata-palha. O frango pode ser cozido e desfiado com antecedência. Maçã e salsão, picados de véspera, devem ser armazenados dentro d’água, na geladeira, com um pouco de limão.
“Recomendo equilibrar as quantidades de maçã, salsão e frango e usar pouca maionese.”
Farofa
A farofa rica da chef Ana Soares, da rotisseria Mesa 3, foge do lugar-comum: é preparada com farinha de pão e miúdos como base. “Pego pães franceses dormidos e passo no ralo grosso. Depois, faço um refogado com manteiga, azeite, miúdos, castanhas picadas, aliche e ervas. Pode acrescentar azeitonas, cogumelos-de-paris e passas.”
Uma versão mais simples —e mais fácil de agradar todo mundo — leva farinha de mandioca branca, mas pode ser feita com farinha de milho flocada, ou na proporção meio a meio. O refogado leva manteiga, azeite, alho e cebola picados, mais bacon.
Bacalhau
Quem não abre mão do sotaque português pode comemorar: segundo a Fipe, o peixe seco e salgado subiu apenas 3,58% em relação ao ano passado. Mesmo assim, não se trata de um produto barato —lombo, corte nobre e mais alto, custa por volta de R$ 140 a R$ 290 o quilo.
A sugestão de Laisa Lorenti, sócia da Padaria 13 de Maio, é preparar a tradicional bacalhoada com batata, pimentão, cebola, alho, tomate, azeitona, ovo cozido e salsinha. “Na padaria, usamos lombo, mas dá para adaptar a receita e usar bacalhau em lascas ou desfiado, mais baratos”, recomenda.
O chef português Vitor Sobral, proprietário do restaurante Tasca da Esquina, avisa que é preciso pré-cozinhar o peixe com pele e espinhas, pois é junto delas que se concentra o colágeno.
Para dessalgar, nada de leite —o processo deve ser em água gelada. Mergulhe o bacalhau no dobro de volume de água e troque o líquido duas vezes por dia, no mínimo. Cortes altos precisam de até 72 horas de dessalga, enquanto o bacalhau que já se compra desfiado só precisa de 6 horas de molho.
Pavê
Campeã das piadas infames, a sobremesa também tem inúmeras variações. Em comum, todas têm a montagem em camadas, que alterna ingredientes cremosos e crocantes.
A confeiteira Luiza Lafer, da Lu Lafer Doces, integra o time dos defensores da bolacha maisena. “Fica mais bonito, porque mantém a estrutura e gera um pavê de cortar em fatias.”
O creme, segundo ela, leva leite, leite condensado, gema e um tantinho de amido de milho para engrossar. “Deixo mais consistente, para que o pavê não desmonte”, ensina. Os biscoitos, molhados rapidamente no leite, ficam macios, sem desmanchar. Ela ainda acrescenta nozes carameladas ou frutas em pedacinhos.
A cobertura muda conforme o sabor do pavê. “Em geral, uso ganache de chocolate ou doce de leite, mas prefiro gelatina caseira quando o pavê leva fruta. Basta bater um suco consistente e misturar com gelatina em pó incolor.”
Rabanadas
Chef do hotel Casa Marambaia, na Serra Fluminense, Douglas Franco incrementou a receita —fatias de brioche, embebidas em mistura de leite com ovos e um pouco de leite condensado, são passadas na farinha panko e fritas por imersão. “Pode fazer no forno ou na airfryer, mas é fundamental servir bem quente”, avisa.
Quem fizer questão do preparo antecipado deve optar pela versão tradicional: embebido em ovos com leite, o pão próprio para rabanadas é frito e salpicado de açúcar e canela. Esta, ele diz, tem gente que até prefere comer fria.
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