Nesta semana eu escrevo para vocês diretamente da Rússia, depois de passar por oito países dos 16 que estão no roteiro. São quase 20 mil quilômetros de trilhos de trem, e esta viagem, que começou em Portugal e já atravessou Espanha, França, Alemanha, Polônia, Lituânia, Letônia e Estônia, está agora aqui na Rússia e ainda passará por Mongólia, China, Vietnã, Laos, Tailândia e Malásia e acabará em Singapura.
A Rússia provavelmente será o lugar onde passaremos mais tempo, e tem sido uma experiência única até agora. Apesar da guerra, o meu maior desafio está sendo enfrentar o frio intenso deste vasto e nevado país. No entanto, em decorrência do meu histórico de viagens, acredito que aprendi a lidar bem com isso. Neste exato momento estou em um trem, no coração da ferrovia Transiberiana.
O frio de 15°C negativos não é apenas um número; ele é sentido no rosto, nas mãos e até na respiração, que vira fumaça. Mas o mais curioso é como as pessoas aqui parecem imunes a isso! Elas caminham calmamente pelas ruas congeladas enquanto eu me sinto um sobrevivente toda vez que coloco o pé para fora do trem.
Dentro do trem a experiência é outra: um mundo à parte. Já dividi o espaço com uma senhora russa que me ofereceu um chá misterioso (delicioso, mas até agora não sei o que era!), com um mochileiro que me contou que estava viajando sem rumo havia meses e até com um senhor que dormiu roncando tão alto que o barulho parecia competir com o som das rodas nos trilhos.
As paradas são pequenas janelas para outras realidades. Em uma estação, um homem vendia peixes congelados como se fossem picolés. Em outra, comprei pão fresco de uma senhora que sorriu com o rosto completamente escondido por camadas de lenços. E a comida no trem? Imagine provar algo que parece uma sopa, mas que na verdade é um caldo de carne com… pepino e um gosto levemente azedo (chamam de “rasstegai”).
Esta viagem está sendo incrivelmente diferente das minhas aventuras habituais, não simplesmente por estar viajando acompanhado, até porque ter um companheiro traz seus próprios desafios e vantagens, mas sim porque estamos tendo que contornar obstáculos por conta das sanções internacionais que a Rússia vive.
Definimos um orçamento de US$ 3.000 para todo o projeto, mas, independentemente disso, não estamos conseguindo usar cartões de crédito e débito, apenas dinheiro em espécie. A única exceção foi na cidade de Ulan Ude, próxima à fronteira com a Mongólia, onde conseguimos usar o astropay.
Cada momento desta viagem tem sido um aprendizado, não apenas sobre o mundo em si mas também sobre como as pessoas agem em suas rotinas e na forma como somos tratados, mesmo sem que elas saibam da nossa história. Ter um companheiro ao lado modifica significativamente o dia a dia, mas também é uma oportunidade para olhar para dentro, a fim de desenvolver o autoconhecimento e observar como reagimos ao mundo.
Cada dia é uma nova surpresa, uma mistura de desafios e fascínio. Esta viagem tem sido, sem dúvida, uma das experiências mais bizarras e incríveis da minha vida.
É como se a Transiberiana não fosse apenas um caminho, mas uma lição constante sobre como a beleza e o estranho podem coexistir tão perfeitamente.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
Deixe um comentário