Produtos importados via sites estrangeiros como Shein e Shopee ficarão mais caros a partir de 1.º de abril de 2025. É quando começa a valer a nova alíquota do ICMS sobre compras no comércio eletrônico internacional, a versão estadual da “taxa das blusinhas”. Somado ao Imposto de Importação, que é federal, a tributação de uma aquisição poderá chegar a 100%.
A decisão de elevar o ICMS foi anunciada no dia 6 pelo Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda (Comsefaz), e afeta todas as empresas que comercializam produtos importados por meio do Regime de Tributação Simplificada (RTS).
A alíquota do imposto estadual, que hoje é de 17%, passará a 20%. Mas, devido à forma como o imposto é calculado, o impacto para o consumidor será mais forte do que sugere essa variação de 3 pontos porcentuais, segundo tributaristas consultados pela Gazeta do Povo.
O impacto é maior porque o ICMS é calculado não sobre o valor original da compra, mas após a incidência do Imposto de Importação, que é de 20% para aquisições (incluindo o frete) de até US$ 50 e de 60% para valores acima disso. E não só: o ICMS também incide sobre ele mesmo, por causa do chamado cálculo “por dentro”.
Segundo o presidente- executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, a cobrança por dentro faz com que o atual ICMS de 17% corresponda, na verdade, a 20,48%.
Dessa forma, a tributação total (20% do Imposto de Importação mais 17% de ICMS por dentro) é de 44,58%. Um item que sem impostos seria de R$ 300 acaba chegando ao consumidor, hoje, por R$ 433,73.
O mesmo produto, a partir de 1.º de abril de 2025, vai custar R$ 450, o que corresponde a uma tributação total de 50% (resultado de 20% de Imposto de Importação e 20% de ICMS por dentro). Ou seja, o aumento de três pontos porcentuais do ICMS vai gerar um aumento de mais de 5,5 pontos porcentuais na tributação total.
Para compras acima de mais de US$ 50, sobre as quais o Imposto de Importação é de 60%, o imposto final sairá dos atuais 92,77% atuais para 100%, seguindo a mesma lógica. Um produto que hoje custa R$ 600 sem impostos e sai por R$ 1.156 após a taxação, passará a custar R$ 1,2 mil em abril.
De acordo com o diretor de auditoria interna e assuntos regulatórios da Contabilizei, Diego Zacarias dos Santos, a base de cálculo por dentro do ICMS confunde o consumidor, aumentando a percepção de injustiça e falta de transparência na carga tributária. “Ele acaba pagando um valor significativamente maior do que a alíquota nominal efetivamente divulgada”, diz.
Especialistas dizem que alta do ICMS beneficia estados e municípios, não a indústria nacional
O Comsefaz, inicialmente, negou que o aumento do ICMS constasse da pauta da reunião marcada para o dia 5. No dia seguinte, porém, emitiu uma nota anunciando a elevação do imposto.
No comunicado, o comitê dos secretários de Fazenda alega que “a crescente utilização de plataformas de comércio eletrônico transfronteiriço, precipuamente para a aquisição de itens como vestuário, eletrônicos, acessórios e artigos de uso pessoal, impõe a necessidade de ajustes periódicos que protejam a competitividade do comércio interno e da indústria nacional”.
No entanto, especialistas avaliam que a medida beneficiará somente os estados e municípios, que repartem o ICMS. Para Zacarias, da Contabilizei, o aumento de alíquota servirá para aumentar a arrecadação desse tributo e não terá tanta influência no auxílio das empresas nacionais.
Na visão de Olenike, do IBPT, a medida mais justa e correta para para favorecer as empresas nacionais seria o governo aliviar a carga de tributos que é imposta a elas – e não elevar o ICMS dos importados.
Quase metade das classes C, D e E não substitui importados por nacionais, diz pesquisa
Uma pesquisa realizada pela Plano CDE – empresa especializada em avaliação de impacto nas famílias de classes C, D e E no Brasil – apurou que 46% das pessoas desses estratos sociais não buscam substitutos nacionais quando se deparam com aumento de preços dos importados.
Segundo a pesquisa, a taxa de desistência entre as pessoas das classes C, D e E que quiseram comprar produtos importados on-line aumentou de 35% para 39% entre agosto e outubro deste ano. Esse foi o primeiro trimestre após o início da cobrança do Imposto de Importação de 20% sobre compras de até US$ 50, que ganhou o apelido de “taxa das blusinhas”
O estudo ainda revela que 44% das pessoas dessas classes simplesmente decidiram que não iriam mais adquirir produtos importados a partir de agosto deste ano, ou seja, nem chegam a ser contabilizados nos dados de desistência acima relatados.
Alem disso, 55% de todas as pessoas consultadas na pesquisa, que também incluiu as classes A e B, avaliam que todos ou a maioria dos itens comprados só poderiam ser adquiridos internacionalmente.
Zacarias comenta que o aumento do ICMS e a elevação significativa dos preços dos produtos importados reduzem a viabilidade econômica dessas aquisições. “Embora isso possa estimular o comércio local, também restringe o acesso a produtos diferenciados ou tecnologias específicas que muitas vezes não estão disponíveis no Brasil, criando um cenário de limitações”, diz.
Elevação de ICMS também afeta empresas que precisam de insumos internacionais
Outro ponto destacado por Zacarias é que a alta do ICMS também traz consequências para as empresas que comercializam produtos fabricados fora do país. Assim, ao impactar diretamente os custos dos importados, “afeta tanto os consumidores que optam por adquirir um item do exterior, quanto empresas e pequenos comércios que utilizam importações para abastecer seus estoques”.
Outro ponto destacado pelo diretor da Contabilizei é a própria disposição dos e-commerces internacionais em seguir sua atividade no Brasil. Ele explica que plataformas como a Shein, Shopee e Alibaba passaram a recolher o ICMS em nome dos compradores brasileiros para facilitar e legalizar o processo de importação, com o regime do RTS.
“Com o aumento da alíquota de ICMS, é válido questionar até que ponto as plataformas internacionais estão dispostas a manter suas atividades no mercado brasileiro por conta da complexidade tributária”, afirma.
Após a resolução do Comsefaz para o aumento do ICMS, a Shein lamentou a decisão. Em nota enviada à Gazeta, a empresa disse que a medida ocorre em um “cenário em que os consumidores brasileiros já enfrentam a maior carga tributária do mundo para compras feitas em plataformas estrangeiras, dificultando ainda mais o acesso a produtos acessíveis”.
A empresa ainda comentou que a decisão impacta “desproporcionalmente as populações mais vulneráveis do Brasil, que dependem de produtos internacionais acessíveis para suprir suas necessidades”, e que compõem 88% dos 50 milhões de usuários da Shein no país.
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