quinta-feira , 26 dezembro 2024
Lar Turismo Visita ao Beach Park por um casal com deficiência visual – 19/12/2024 – Haja Vista
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Visita ao Beach Park por um casal com deficiência visual – 19/12/2024 – Haja Vista


Eu e minha noiva, ambos cegos, fomos à Aquiraz, na região metropolitana de Fortaleza, para irmos ao Beach Park sozinhos. Era só um passeio em um parque aquático, mas, antes da diversão, estávamos preparados para uma boa briga.

Receávamos ter de invocar o Estatuto da Pessoa com Deficiência para convencer a diretoria do parque que, pagando por nossos ingressos, tínhamos o direito de entrar ali e descer em todos os toboáguas que tivéssemos vontade, sem precisar trazer junto um acompanhante que enxergasse. Para que pudéssemos aproveitar o dia de férias dessa forma, pediríamos que designassem um funcionário para nos conduzir no local.

Nada de novo. Minha noiva já tivera de gastar tempo de um dia de férias discutindo no mesmo parque há dois anos. Daquela vez, só teve o pedido atendido quando disse que entraria sozinha mesmo e iria por conta própria encontrando as atrações, perguntando o caminho para os demais visitantes.

Do meu lado, já havia desistido de ir a um parque de diversões em São Paulo acompanhado só por pessoas cegas após perguntar por e-mail como eu seria recebido e ser alertado na resposta que não forneciam qualquer serviço de acompanhamento para pessoas com deficiência.

Era a lembrança dessas e outras experiências que tínhamos em mente quando descemos do carro de aplicativo e logo encontramos um bombeiro que poderia nos levar até a bilheteria. Ele fez uma ligação e pediu que aguardássemos. Ficamos apreensivos por alguns minutos. Até que conseguimos ouvir o desdobramento da conversa: “Já temos a pessoa que irá ficar com o casal”, disseram do outro lado da linha Fácil assim, parecia bom demais para ser verdade.

Ela se chamava Thaynara e logo quis saber tudo sobre nós, de onde tínhamos vindo, idade, o que fazíamos, onde queríamos ir. Disse que ganhou o dia quando soube que iria receber clientes com deficiência. Dias antes, havia ajudado um menino com autismo, por pedido da mãe, que não conseguia acompanhar o filho no parque sozinha por conta de toda a energia e excitação do filho ali dentro.

Perguntamos se nossa guia poderia ficar com um de nossos celulares para fazer fotos de nós dois escorregando em alguns dos brinquedos. Logo notamos uma frustraçãozinha na voz da moça. “Vocês não precisam que eu desça nos escorregadores juntos”? Na verdade, não precisávamos, chegando até a escadaria que dava acesso a eles poderíamos nos virar. Mas animados com a empolgação dela, deixamos para depois as fotos, alugamos um armário para guardar o celular e fomos atrás de um escorregador que se pudesse descer com uma boia para três.

A partir daí o dia avançou com tranquilidade, fora as descidas insanas, as boias parecendo querer escapar para fora dos brinquedos e meu enjoo depois de tanto girar. Nossa companheira ia listando as atrações disponíveis, o nível de adrenalina e sugerindo seus favoritos, tentando nos convencer a mudar de ideia quando achávamos que algum não parecia tão legal.

Para nós, que temos deficiência visual, a dúvida sobre como seremos acolhidos não acontece só em situações radicais. Certa apreensão sobre como vai ser nossa recepção pode vir nas situações mais banais.

Será que o vendedor da loja vai nos considerar um cliente de fato, descrever detalhes das peças e explicar suas cores? Caso não haja cardápio acessível, o garçom vai de fato ler as opções, em vez de falar só de dois pratos e demonstrar desconforto? O motorista de táxi vai nos deixar em um lugar seguro e explicar como fazemos para chegar aonde precisamos ou vai parar o carro no primeiro lugar que encontrar e nos deixar desorientados? Na academia, vai haver professor disponível para nos levar aos aparelhos ou vamos ficar largados na multidão com um par de halteres?

A lista pode ser ampliada indefinidamente e são muitas as boas surpresas e também frustrações diárias. Os motivos são vários, incluindo falta de conhecimento sobre como fazer e o desinteresse em aprender.

No Ceará, terminamos aquele passeio emocionados os três, pelo momento especial vivido e pela alegria de sentir que nossa singularidade foi respeitada. Não devia ser assim, mas sentir que somos bem-vindos com nossas demandas particulares por vezes surpreende. Naquele dia, não fomos só mais um problema com o qual os demais vão ter de lidar após insistência e à contragosto, e sim pessoas bem-vindas para se divertir como todos.


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