Em um domingo de 1942, quando a Europa era palco de um dos maiores conflitos do século 20, Malta foi alvo de um ataque aéreo das forças nazi-fascistas. Uma das bombas, de cerca de um metro de comprimento, atravessou a cúpula da Igreja de Santa Maria, mais conhecida como Rotunda Mosta, e caiu sobre o altar. Eram 16h40 de 9 de abril e 300 pessoas estavam no local. O artefato, porém, não explodiu.
Conhecido como o Milagre da Bomba, o episódio é um entre tantos outros que mostram como o pequeno país foi, proporcionalmente ao seu tamanho, um dos mais bombardeados durante a Segunda Guerra Mundial.
Lugares para conhecer essa parte da história é o que não falta no arquipélago. São museus, monumentos, igrejas e principalmente abrigos subterrâneos que relatam o caos e o cotidiano durante o conflito em Malta, que na época ainda era uma colônia do Reino Unido.
No milagre de Mosta, é difícil imaginar como uma bomba pode ter atingido uma igreja localizada em um arquipélago de 316 km² –quase cinco vezes menor que a cidade de São Paulo, com 1.523 km²– no meio do mar Mediterrâneo. Mas o tamanho da cúpula talvez possa explicar. Com um diâmetro de 37 metros, a abóbada de Rotunda Mosta é considerada uma das maiores da Europa.
A igreja exibe uma réplica da bomba. A original, dizem os guias, foi desativada e jogada ao mar. Já a cúpula foi reconstruída, mas a marca por onde o artefato entrou ainda está lá, talvez para lembrar que o pior ficou no passado.
Ainda em Mosta, a visita aos túneis sob a igreja é parada obrigatória. O local foi um entre centenas que serviram de abrigo para a população durante a guerra. Pelos corredores úmidos e estreitos é possível imaginar como viveram os malteses, com comida racionada e pouca água.
Os pequenos espaços entre os corredores nos túneis são divididos em cozinha, dormitório, enfermaria, maternidade e salas de cirurgia. Esses ambientes, cuidadosamente preservados com mobiliário e utensílios da época, dão a certeza de que a guerra, tão distante de nós brasileiros, realmente existiu.
Por quase toda a ilha existem túneis construídos por famílias ou adaptados de antigas construções para servir de abrigo durante a guerra. Em alguns deles a visita é permitida, como é o caso das milenares catacumbas no vilarejo de Rabat que podem acessadas a partir do Museu Wignacourt.
Já no Museu da Guerra, na cidade de Vittoriosa, também conhecida como Birgu, estão os túneis escavados na rocha que serviram de quartel-general da guerra e abrigo para centenas de famílias. No local ainda há um rico acervo com armas, munições e uniformes de guerra, além de contar resistência dos malteses.
Outro local que também serviu de refúgio foram os subterrâneos da antiga fortaleza que existia embaixo de Valetta, capital do país, considerada patrimônio mundial pela Unesco.
O acesso aos subterrâneos de Valletta é feito pelo Forte São Elmo, onde atualmente existe o Museu Nacional da Guerra. O local registra vários conflitos vividos no arquipélago. Já no acervo dedicado à Segunda Guerra estão aviões, jipes e armas. Mas o destaque é a Cruz de São Jorge, concedida em 1942 pelo então rei George 6º pela bravura dos malteses durante o conflito.
O Forte São Elmo também é o local onde a Segunda Guerra de fato começou em Malta. O primeiro bombardeio foi registrado em 11 de junho de 1940, um dia depois de o ditador italiano Benito Mussolini declarar guerra à França e ao Reino Unido.
Desse dia em diante, o arquipélago foi duramente atacado pelos nazi-fascistas. Segundo registros oficiais, 26 mil bombas foram lançadas sobre Malta, cerca de 17 mil toneladas de explosivos. O saldo foi cerca de 40 mil edifícios destruídos e 7.000 mortos, sendo 1.468 civis.
Segundo o curador do Museu Nacional da Guerra em Malta, Charles Debono, além da posição geográfica estratégica, outro motivo que explica o forte ataque é o fato de que os fascistas italianos acreditavam que Malta fazia parte geograficamente do Reino de Itália. Isso porque o arquipélago, durante muitos séculos, fez parte da vizinha Sicília. E muitos desses fascistas, incluindo integrantes do clero, já viviam em Malta.
A guerra acabou em Malta com a rendição dos italianos em setembro de 1943. Mas o país ainda precisava ser reconstruído. Ao andar por Valletta nesses dias de paz, é difícil imaginar a destruição da guerra. A única exceção é o teatro Royal Opera House, que não foi restaurado como os demais prédios da capital, uma forma de registrar o heroísmo do povo maltês na guerra. Do projeto original, apenas as colunas e a base de pedra resistiram aos bombardeios. Hoje, o teatro recebe espetáculos a céu aberto.
Atualmente em Valetta há alguns monumentos que foram construídos como forma de lembrar que um dia o país foi palco de uma batalha, como o Siege Bell Memorial. Lá há um sino que toca todos os dias ao meio-dia em memória das vítimas da guerra.
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