É praticamente unânime. Seja em reportagens ou nos anúncios de pacotes turísticos, a descrição de Socotra é sempre a mesma: uma paisagem que parece alienígena.
A ilha integra o arquipélago homônimo, a cerca de 380 quilômetros ao sul do Iêmen, da qual faz parte. O país vive em cenário de guerra desde 2014, mas as turbulências não chegaram a Socotra. Sua localização, próxima à costa da Somália, indica quão inusitado é esse destino.
De olho no potencial turístico da ilha, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita ancoraram nela suas influências. Apesar de seguro, o destino tem uma logística turística desafiadora. A começar pela escassa oferta de voos: dois por semana, fretados, saindo de Abu Dhabi, operados pela Air Arabia, de outubro a maio, com compra de bilhetes aéreos feita por WhatsApp. Os voos demoram cerca de duas horas.
É possível também chegar via Iêmen, mas essa opção funciona mais como uma espécie de ponte aérea para os moradores. Além disso, a única forma de conhecer a ilha, onde são falados o árabe e o socotri pelos seus 90 mil habitantes, é contratando um tour completo de operadoras locais, por preços que podem variar entre US$ 600 (R$ 3.6000) e US$ 24 mil (R$ 146 mil) por pessoa.
Uma vez que os pouquíssimos hotéis ficam na capital, limitando a experiência de conhecer a ilha, as acomodações fora dali são barracas em campings rústicos. Esqueça conforto, descanso, sinal de internet e banheiros limpos.
Socotra costuma ser definida como deserto tropical, mas poucas horas rumo ao interior são capazes de mostrar uma alta amplitude térmica. Em seus pouco mais de 3.700 km² —mais de dez vezes o tamanho de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo— estão uma costa árida e quente, recortada por dunas e paredões de montanhas, e um interior úmido e ameno, composto por cânions profundos e platôs repletos de espécies endêmicas.
Segundo estudos da União Internacional para a Conservação da Natureza, cerca de 37% das 825 espécies de plantas são encontradas apenas em Socotra. Isso classifica a região como um dos centros de biodiversidade mais importantes do mundo.
Entre elas, três se destacam. Uma delas é a a árvore do dragão. Com um formato semelhante ao de um cogumelo, tem galhos que expandem a sua sombra e ajudam a reter água no solo abaixo dela. Já a rosa do deserto é uma suculenta com troncos que retêm água, e por isso são mais cheios. A forma é tão peculiar que é impossível encontrar versões idênticas na natureza. Por fim, a árvore de olíbano conecta Socotra ao passado —sua resina, valorizada por egípcios, gregos e romanos, era usada para produzir incensos e medicamentos.
Uma expedição pela ilha pode se iniciar por sua porção nordeste, na deslumbrante praia de Archer, na companhia de golfinhos. Os destaques ali são o nascer do Sol nas dunas esculpidas pelo vento, o mergulho nos corais coloridos de Dihamri, o banho na piscina natural de borda infinita de Homhill e a visita à vila de pescadores de Erissel, com casas de pedra e teto bem baixo à beira da praia.
Como esta é uma comunidade muçulmana, é possível observar como são distintos os comportamentos dos meninos, que interagem livremente com os visitantes, e das meninas, que apenas os acompanham com os olhos.
O sul e o centro da ilha são um espetáculo à parte, com o cenário de areia predominando nas paisagens, e o oceano com uma cor mais profunda.
Após o amanhecer nas dunas de Zahek, que imitam ondas, a manhã pode ser reservada à imersão nas águas verdes do cânion esbranquiçado de Kallissan. O pôr do sol acontece no lugar mais aguardado: o platô escondido e impressionante de Diksam, morada de centenas de árvores do dragão, que parecem transportar os visitantes diretamente para filmes de ficção científica. Num mesmo dia, é possível sentir o calor quase na casa dos 40 ºC da costa e se refrescar nas temperaturas mais baixas das montanhas (que chegam a cair a 10º C à noite).
O oeste de Socotra reserva outras pérolas. Próximas a Qalansyia, segunda maior cidade da ilha, estão a sedutora praia de mesmo nome, muitas vezes considerada a mais bela do mundo, e a vizinha lagoa de Detwah. As cores das areias brancas e do mar azul bebê impressionam, formando uma espécie de aquário natural, principal fonte de subsistência de Elia, literalmente um homem das cavernas: o sujeito se tornou um dos personagens mais emblemáticos da ilha.
Nascido e criado em uma gruta na encosta, ele caminha pelas águas apresentando o que cruzar o seu caminho, como vieiras e caranguejos.
Saindo de Qalansyia, o passeio pode beirar os paredões terrosos da praia deserta de Shoab —habitada por não mais do que cinco famílias— com o barco flutuando por águas de cor verde-esmeralda. Mais um pôr do sol, agora em Detwah faz questionar se tudo o que vivemos foi real. Parece que estamos dentro de um sonho.
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