O abate de um avião venezuelano carregado com drogas reforçou a cobrança de deputados da oposição por mais segurança nas regiões de fronteira no Norte do país. Com o aumento de uma série de crimes e da presença de facções criminosas na região, as disputas por territórios e o tráfico de drogas, armas e pessoas têm se intensificado. Os crimes, em especial na fronteira com a Venezuela, são agravados por mais de uma década de crise econômica, política e social no país vizinho.
Sob o comando do ditador Nicolás Maduro, o país tem gerado um intenso fluxo migratório de venezuelanos. Pelo menos 7,7 milhões de pessoas saíram da Venezuela nos últimos anos, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Do total de cidadãos venezuelanos que deixaram o país, quase 570 mil vieram para o Brasil. Esse é o terceiro destino mais procurado pelas pessoas que fogem do regime de Maduro. De acordo com os dados da ACNUR, o primeiro é a Colômbia, país que já recebeu aproxidamente 2,85 milhões de venezuelanos; e o segundo é o Peru, nação para a qual 1,5 milhão de venezuelanos se dirigiu.
Parlamentares têm cobrado ações rápidas e eficazes por parte do governo federal para enfrentar essa grave ameaça à soberania nacional. “O intenso fluxo migratório provocado pela crise venezuelana não trouxe apenas pessoas em busca de melhores condições de vida, mas também criminosos que se aproveitam da situação para atuar em nosso território”, alertou o deputado Antonio Carlos Nicoletti (União-RR).
Em entrevista à coluna Entrelinhas, da Gazeta do Povo, Nicoletti mencionou ainda o caso recente de tropas venezuelanas que “adentraram ao país sem permissão” durante um exercício militar, em 22 de janeiro, e criticou o que considera ser “omissão do presidente da República” por não reforçar a presença das Forças Armadas na região.
Sobre a criminalidade na região de fronteira, a deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) destacou que é preciso impedir a expansão das redes transfronteiriças do narcotráfico na Amazônia. Para ela, é importante garantir mais recursos para aumentar a vigilância e o controle do tráfego aéreo, segurança das fronteiras, monitoramento de comunicações clandestinas, de rotas de tráfico e contrabando, além de identificar pistas escondidas e garimpos ilegais.
Apesar do abate do avião venezuelano que transportava drogas, a postura do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diante da crise de segurança na região preocupa analistas. O entendimento é de que a relação de Lula com Maduro, mantendo um canal aberto para tratar de várias questões, dificulta o combate ao crime organizado.
Para a advogada e diretora do programa de núcleos do Ladies of Liberty Alliance (LOLA Global) Anne Dias, enquanto facções criminosas expandem sua atuação com a conivência do regime de Nicolás Maduro, o governo brasileiro mantém uma relação diplomática passiva. “Essa postura não apenas ignora o impacto do crime organizado, mas também reforça a impunidade desses grupos”, avalia Anne.
A reportagem da Gazeta do Povo buscou contato com o Itamaraty para saber se o governo brasileiro tratou do abate do avião venezuelano com o governo do país vizinho. Questionou também se há acordos de cooperação ou parcerias com a Venezuela com foco no combate ao tráfico de drogas, ao garimpo ilegal e demais crimes na fronteira entre os países. Não houve retorno até o fechamento da matéria.
Também se tentou contato com a Força Aérea Brasileira (FAB) e com a Polícia Federal (PF), responsáveis pela Operação Ostium, na qual o avião foi abatido. Da mesma forma, não houve retorno para os questionamentos sobre detalhes do caso ou sobre uma previsão de reforço na proteção da fronteira do Brasil com a Venezuela.
A Ostium é uma operação de vigilância do espaço aéreo sobre a região de fronteira do Brasil, realizada 24 horas por dia pela FAB, por meio de uma rede de radares que cobre todo o território continental do país, além de partes do Oceano Atlântico.
Deputados querem comissão externa e mais recursos para combater situação na fronteira
A cobrança pelo reforço da atuação do governo na segurança das fronteiras também está na pauta da oposição no Congresso. Uma comissão externa pode ser criada na Câmara dos Deputados para tratar da crise segurança pública instalada em Roraima (RR). A proposta apresentada pelo deputado Nicoletti – com apoio de outros deputados da oposição – aponta para graves violações à soberania nacional e à segurança da população brasileira verificadas ao longo dos últimos meses.
O deputado Stélio Dener (Republicanos-RR) afirmou que desde o início do mandato vem notificando o Ministério da Justiça com pedidos de ações mais efetivas contra a criminalidade em Roraima e também na fronteira. Dener disse ainda que, em reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB), sugeriu a edição de uma medida provisória criando crédito extraordinário para garantir investimentos em ações na região de fronteira.
Além disso, a deputada Silvia Waiãpi apresentou uma proposta que altera a lei sobre o regime de partilha do pré-sal, com o objetivo de garantir a destinação de recursos para o combate aos crimes transnacionais, em especial, no Norte do país.
A proposta da deputada prevê que essas ações recebam 7% dos royalties do petróleo, sendo 5% para as Forças Armadas e 2% para as forças de segurança pública dos estados do Norte. Uma estimativa feita pela assessoria da deputada Silvia, baseada em dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM), afirma que, caso a proposta seja aprovada, cerca de R$ 42 bilhões poderiam ser destinados para a segurança na região Norte do país.
Analistas avaliam que a segurança na fronteira é negligenciada e criticam relação de Lula com a Venezuela
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a questão da segurança nas fronteiras vem sendo negligenciada no Brasil. Para o responsável pelo Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), o advogado Fabrício Rebelo, “há uma opção, contaminada por uma vertente ideológica de mais fácil exploração política”. Ele observa ainda que o governo brasileiro tende a abordar a criminalidade como um problema exclusivamente interno, sem contextualizá-la em uma equação muito maior.
Neste sentido, Rebelo aponta que a quase totalidade das armas e das drogas que abastecem os criminosos no país, por exemplo, vem de fora.
“Sufocar suas rotas representaria um impacto fortíssimo nas organizações que aqui atuam. Deixar de combater o crime com prioridade nas regiões de fronteira, desarticulando e sufocando financeiramente as quadrilhas transnacionais, é um dos maiores combustíveis para o crescimento da criminalidade interna brasileira”, afirma Rebelo.
A relação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o ditador venezuelano Nicolás Maduro também é apontada como um entrave para a solução do problema.
“O Brasil é um dos poucos países democráticos que ainda mantém diálogo e relações diplomáticas com o regime, com a intenção de manter um canal aberto para tratar de certas questões”, afirma Adriana Flores Marquéz, chefe do comando ConVenezuela Argentina e líder LOLA Argentina e Venezuela (Ladies of Liberty Alliance). Adriana é refugiada da Venezuela na Argentina, e comanda a oposição ao regime de Maduro nesse país.
A advogada Anne Dias aponta ainda que facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e a venezuelana Tren de Aragua aproveitam o fluxo migratório para fortalecer redes de narcotráfico e milícias que já operam livremente sob a proteção do regime de Maduro.
“O Tren de Aragua é uma gangue venezuelana conhecida por ser aliada ao chavismo e perseguir imigrantes venezuelanos que residem em países vizinhos e fazem oposição ao regime. Há relatos terríveis de venezuelanos assassinados por essa organização no Brasil – e seu principal parceiro no país é justamente o PCC”, aponta Anne Dias.
Neste sentido, a avaliação é de que reconhecer essas facções como organizações terroristas seria um primeiro passo para combater a influência e enfraquecer a estrutura das facções. “Mas isso exigiria uma política externa corajosa, disposta a enfrentar a cumplicidade entre Maduro e o crime organizado – algo que o governo Lula evita a qualquer custo”, critica Anne Dias.
Esse reconhecimento foi uma das primeiras ações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao tomar posse. Em uma ordem executiva publicada em 20 de janeiro, Trump incluiu a Tren de Aragua entre as organizações consideradas terroristas para o seu país.
“Suas campanhas de violência e terror nos Estados Unidos e internacionalmente são extraordinariamente violentas, cruéis e ameaçam similarmente a estabilidade da ordem internacional no Hemisfério Ocidental”, diz o documento.
Possibilidade de invasão da Venezuela à Guiana fez Brasil reforçar a segurança
No fim de 2023, o ditador Nicolás Maduro realizou um referendo para anexar 70% do território da vizinha Guiana. Para fazer isso, ele teria que passar por dentro do território brasileiro.
Desde o ano passado, as tropas na cidade de Pacaraima, em Roraima, receberam reforços. O efetivo passou de cerca de 150 combatentes para 450. Eles também receberam blindados Cascavel armados com canhões de 90 mm, jipes blindados Guaicuru e construíram casamatas e estruturas de defesa.
O efetivo não é aumentado ainda mais pelo alto custo de se manter uma tropa numerosa em área isolada, mas o reforço enviado no ano passado deve ficar de forma permanente na região.
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