Dois dias após sua posse, em 20 de janeiro, Donald Trump criticou a Espanha por seu gasto “muito baixo” com defesa, confundindo-a com os países dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e mais cinco nações). A Espanha, atualmente, é o lanterna em gasto com defesa entre todos os 32 membros da Otan: em 2024, gastou 1,38% do PIB com defesa, mais uma vez ficando abaixo da meta de 2%, acertada pelos países-membros em 2014.
Chegar à meta de 2% será difícil para a Espanha, e mesmo isso ainda será pouco para Trump. Alguns dias depois de apontar o dedo para Madri, ele disse que os membros da Otan deveriam elevar seu gasto com defesa para 5% do PIB. Com essa exigência, o presidente norte-americano se colocou ao lado do secretário-geral da Otan, Mark Rutte. Em dezembro, em Bruxelas, Rutte havia dito que era hora de “dar um turbo em nossos gastos e nossa produção na área de defesa” para se equiparar à despesa russa, que deve chegar a 6% do seu PIB este ano. A Europa, disse Rutte, precisava voltar a uma mentalidade de Guerra Fria.
A Espanha entrou na Otan em 1982, sete anos após o fim de 40 anos de ditadura de Francisco Franco. Em 1986, mesmo ano em que entrou na Comunidade Econômica Europeia (hoje União Europeia), o país decidiu seguir na aliança, mas só em 1999 se tornou parte da estrutura militar integrada. A Espanha sempre gastou pouco com defesa, em parte devido à sua localização, no extremo oeste da Europa, a 3,2 mil quilômetros de Moscou. Outras razões incluem a prioridade para o investimento na construção de um Estado de bem-estar social, oposição popular a gastos militares e, desde 2015, um cenário político fragmentado em que todo orçamento é motivo de discussão acalorada. Além disso, a Espanha historicamente contou com o apoio dos Estados Unidos. Como disse recentemente um ex-embaixador espanhol junto à Otan, “depois da Segunda Guerra Mundial nos acostumamos a terceirizar nossa defesa para os EUA por meio do seu guarda-chuva militar”.
Ano passado, os Estados Unidos responderam por 68% de toda a despesa da Otan, enquanto os membros europeus (incluindo seis países que não fazem parte da União Europeia) contribuíram com 28%
Trump acha que esse relacionamento se tornou unilateral. “Existe essa coisa chamada oceano entre nós, certo?”, disse o ainda presidente eleito em janeiro. “Por que temos que investir muitos bilhões de dólares a mais que a Europa?” Ele espera que, ao atingir a nova meta de gastos, a Europa diminua a diferença de investimento que a separa dos EUA. Ano passado, os Estados Unidos responderam por 68% de toda a despesa da Otan, enquanto os membros europeus (incluindo seis países que não fazem parte da União Europeia) contribuíram com 28%. No entanto, é verdade que Europa e Canadá elevaram em 20% seus gastos com a Otan em 2024.
O primeiro-ministro espanhol, o socialista Pedro Sánchez, respondeu às críticas de Trump dizendo que o país está caminhando para chegar à meta de 2% de gasto em 2029, e que dobrou seu orçamento para defesa desde 2018. Mas Sánchez está na mira de seus aliados de esquerda. Em abril do ano passado, Iñigo Errejón, então porta-voz da aliança esquerdista Sumar, que corresponde a metade da coalizão liderada pelos socialistas no parlamento, pediu ao primeiro-ministro que cortasse relações diplomáticas com Israel e recuasse de sua promessa de elevação de gastos militares. A Espanha, disse Errejón, “não deve fazer nenhum sacrifício para engordar a indústria militar ou a economia de guerra”. Pelo jeito, a esquerda espanhola está bem longe de adotar uma mentalidade de Guerra Fria.
Outro grupo esquerdista, o Podemos, adotou postura similar em relação à ajuda militar à Ucrânia, invadida pela Rússia em fevereiro de 2022. Perto do primeiro aniversário da guerra, Sánchez anunciou a entrega de seis tanques Leopard a Kyiv, uma decisão que expôs sérios desentendimentos dentro da coalizão de esquerda. O Podemos, à época parceiro minoritário dos socialistas, se opôs ao que chamou de “fúria guerreira da Otan” e se recusou a “escalar a guerra na Ucrânia com mais e mais armas para incentivar os senhores da guerra”.
Até agora, Sánchez ignorou as objeções do Sumar, enfraquecendo ainda mais uma aliança que já é frágil. Em maio do ano passado, quando ele acertou com Volodymyr Zelensky um novo envio de armas à Ucrânia, incluindo mísseis antiaéreos, munição e mais 19 tanques Leopard, o Sumar reagiu furiosamente, afirmando que a decisão tinha sido tomada em segredo. Mas ao menos Sánchez tinha a opinião pública a seu lado: uma pesquisa feita à época mostrava que 80% dos espanhóis era favorável ao envio de ajuda militar à Ucrânia – embora, de acordo com outra pesquisa feita dois meses depois, 51% se opusessem à elevação do gasto militar em geral. Essa mesma pesquisa mostrou que 47% dos entrevistados consideravam que o governo estava se preocupando demais com a Ucrânia e não tanto com assuntos internos.
A ministra de Defesa da Espanha, Margarita Robles, respondeu a Trump alegando que o compromisso do país com a segurança internacional não deveria ser medido pelo seu investimento militar. Hoje, 3.743 membros das forças armadas espanholas estão presentes em 15 países: 2.450 deles em missões da Otan, 671 em missões da ONU, e 324 em missões da União Europeia. Os 183 militares espanhóis ao Iraque formam o maior contingente dentro da missão da Otan – desde maio de 2023, a missão também tem comando espanhol. Robles insiste que a Espanha continua a ser “um aliado sério, confiável, responsável e comprometido” da Otan.
As críticas de Trump à União Europeia por não jogar todo o seu peso na despesa da Otan levantam dúvidas sobre até que ponto a meta de 5% é atingível. Quem chega mais perto disso hoje é a Polônia, que gastou 4,12% do PIB com defesa no ano passado. O ministro italiano da Defesa, Guido Crosetto, disse que 5% seria “impossível para quase todos os países do mundo”. A Itália, historicamente uma das economias mais frágeis da União Europeia, está em posição parecida à da Espanha: planeja gastar 1,57% do PIB com defesa este ano e não espera chegar aos 2% nos próximos três anos.
Trump subestima o papel da geopolítica, da saúde econômica e da opinião pública no planejamento dos orçamentos nacionais de defesa
Por outro lado, os governos de Suécia, Estônia, Alemanha e República Tcheca apoiam a ideia de elevar o gasto com defesa. Essa varidade de posições ressalta o problema com metas idênticas para todos, como também é o caso da meta de déficit de 3% (que a Espanha também não cumpre com frequência). Há metas mais factíveis – ou mais necessárias – para alguns países que para outros. Depois dos EUA e da Polônia, os membros da Otan que mais gastam com defesa são a Estônia (3,4%) e a Letônia (3,1%), países que têm fronteira com a Rússia. Seu vizinho báltico, a Lituânia, sexto país da Otan em gasto militar, foi o primeiro membro da aliança a apoiar a proposta de Trump de elevar a despesa para 5% do PIB.
O pedido de Trump por uma elevação no gasto com defesa é coerente com seu plano de reduzir a despesa doméstica, incluindo o orçamento de US$ 800 bilhões do Pentágono. Mas ele subestima o papel da geopolítica, da saúde econômica e da opinião pública no planejamento dos orçamentos nacionais de defesa. Todos esses fatores já dificultam que a Espanha chegue à meta de 2%; conseguir mais que o dobro disso será ainda mais complicado. O governo espanhol também se vê às voltas com desafios internos como alto desemprego (especialmente entre jovens), déficit habitacional e crise migratória, problemas nos quais esse dinheiro adicional seria mais bem gasto, na opinião de muitos. A Espanha, como membro da Otan, provavelmente não ganhará nenhum elogio de Trump no futuro próximo.
Mark Nayler é um jornalista freelancer em Málaga (Espanha), e escreve sobre política e cultura.
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