O poeta inglês W.H. Auden (21 de fevereiro de 1907-1973) tinha uma rotina: todo dia, ao meio-dia, deixava uma ou duas taças de vodca no congelador; às cinco acrescentava vermute seco à bebida e às seis tomava seu martini mais que gelado. E mais forte, pois não diluído pelo gelo. Esse aspecto dá ao drinque o epíteto de silver bullet, bala de prata.
A escolha heterodoxa pela vodca era um agrado ao amante, Chester Kallman. Antes de conhecê-lo, Auden rezava pela cartilha sagrada do gim. O hábito, tão pontual quanto o chá inglês, foi até celebrado no seu centenário, na cidade de York, onde nasceu. Às seis badaladas, convivas brindaram com o martini à la Auden.
Tinha também o costume de deixar um copo de vodca ao lado da cama para o caso de acordar. As rugas em seu rosto “navajo” eram devidas tanto ao tempo quanto, aparentemente, à bebida. Seu poema “Simetrias e assimetrias” traz as linhas “Poderia um tigre/ Fumar charutos, beber martínis/ E viver tanto como nós?”.
No mesmo poema, Auden escreveu: “É hora do martini, hora de fechar as cortinas e/ Escolher um compositor para escutar”. O poeta, considerado o maior da era pós-Eliot, era um melômano, tendo escrito libretos para Stravinski e Britten. Mas nunca meloso. Era antissentimental, encarava a poesia como um cientista encara fenômenos. Para ele, num texto escrito aos 20 anos, “toda poesia genuína é, em certo sentido, a formação de esferas privadas a partir de um caos público”.
Ainda que não aprovasse os martinis preparados fora de casa, também se aventurava no caos público dos bares, “filando drinques dos desavisados”. Às vezes se via melancólico com as explosões do mundo: “Hoje me sento num bar/ Da rua 52/ Apavorado e sem rumo/ Vendo a esperança expirar” (“1º de Setembro de 1939“, tradução de João Moura Jr.). O poema continua: “Rostos no balcão do bar/ Se agarram ao dia mediano:/ A luz não deve apagar/ Nem deve parar o piano”.
Não deve parar. O cineasta Robert Altman, cujo centenário se comemorou no dia 20 passado, deixava a câmera rolar, dava espaço para seus atores improvisarem. Bebedor profissional, fazia questão de realismo nas cenas com copos —seus protagonistas não bebiam de mentira, o que dava um caráter ébrio às cenas.
“Tenho poesia em mim. Não vou colocá-la no papel… o bom senso não permite”, diz o jogador interpretado por Warren Beatty em “McCabe & Mrs. Miller” (1971). Dirigido por Altman e com trilha de Leonard Cohen, o faroeste onírico, também estrelado por Julie Christie, tem uma cena em que Beatty, diante do olhar incrédulo dos circunstantes, quebra um ovo sobre seu uísque duplo, dá uma girada no copo para misturar e bebe a poção de um gole, rosto satisfeito.
Satisfeita, plena, também é Rihanna, outra aniversariante do dia 20. Na canção “Cheers (Drink to That)”, ela descreve uma festa de prazer e indulgências, um alegre caos público, em que convida todos a brindarem com ela. Curiosamente, o Jameson, uísque irlandês, é nomeado. Cheers para ela, Auden e Altman.
IRISH BOULEVARDIER
30 ml de uísque irlandês
30 ml de Campari
30 ml de vermute doce
Mexa os ingredientes com gelo e coe para um copo old-fashioned com gelo. Decore com uma casca de laranja.
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