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Não é fácil ser mulher no mundo do vinho – 07/03/2025 – Isabelle Moreira Lima


Hoje, no Brasil, alguns dos profissionais mais destacados do mundo do vinho são mulheres. Há sommelières incríveis que dominam os salões, comandam bares e administram importadoras. O jornalismo de vinho, nos principais jornais e revistas do país e do mundo, também é feito por nós, mulheres.

Nas redes sociais, as influenciadoras se multiplicam com conteúdo didático. Nas relações públicas, muitas e muitas de nós fazem as principais articulações e promovem eventos e provas. Nas escolas, há mulheres brilhantes com uma didática clara. E ainda assim temos que lidar com notas de degustação que dizem que um vinho é “feminino”. O que isso quer dizer? Sobre a bebida não diz nada. Mas diz muito sobre o ambiente que a celebra: o mundo do vinho é podre de machista.

Sei disso desde que botei meu pezinho nessa comunidade há dez anos, mas é triste constatar que, por mais que as mulheres tenham se multiplicado nesse setor, os absurdos que ouvimos e o assédio que sofremos não cessa.

No primeiro curso de vinho que fiz, em 2015, numa escola tradicional de São Paulo, um professor ensinava como manejar um saca-rolhas com um discurso de apologia ao estupro. “Se ela [a garrafa?] pedir para parar, não pare”, disse para uma sala repleta de mulheres constrangidas para, em seguida, mostrar fotos de modelos em lingerie entre seus slides sobre como montar uma adega.

Corta para o ano passado, em Portugal. Em uma masterclass sobre o Dão, ouvi de um enólogo destacado que “se você quiser se dar bem com uma mulher, é uma garrafa de alfroxeiro (uma casta local que faz vinhos tintos leves e sedosos) que você deve abrir”. Que papo é esse? Como alguém fala isso numa sala lotada de 60 profissionais sem o menor constrangimento?

O último assédio que sofri aconteceu enquanto visitava uma vinícola. Eu e outras mulheres da área, seja qual for o lugar que ocupem na cadeia, colecionamos histórias. Algumas já contei em reportagem da Gama revista de 2020. Naquele ano, o assédio moral e sexual foi assunto na elite do vinho nos EUA, a Court of Masters Sommelier, no que virou uma espécie de #metoo da bebida. Por aqui, na minha apuração, notei que a coisa é tão normalizada que é difícil apontar os predadores, afinal, estão em todos os lugares.

Demorou, mas enfim veio à luz: além de estarmos inseridos na sociedade patriarcal, esse machismo não cessa porque é parte de um jogo de poder. Quem gosta de dizer que vinho é difícil, complicado, e impõe regras sem fim a ele, deseja que a bebida mantenha-se inacessível para a maioria, viável apenas para alguns eleitos. Vem daí o desdém por quem está começando e o pouco caso com as mulheres, que ocupam cada vez mais espaço nesse mundo.

Uma vez, um leitor que discordou de uma edição desta coluna disse que esta “menina” não sabe de nada.

Se essa menina aqui não sabe, bem, conhece mulheres maravilhosas que sabem muito. Basta dizer que a principal crítica e autora de vinhos hoje é uma mulher, a inglesa Jancis Robinson; que a Champagne Krug tem Julie Cavil no mais alto comando criativo, como chefe de cave; e que a italiana Antinori passou o comando dos negócios para Albiera

Antinori, após 632 anos de controle masculino. Os tempos estão mudando. No Brasil, somos muitas e nos multiplicamos. Procure saber. E procure provar os vinhos feitos por mulheres também.

Vai uma taça?

Na Argentina, Laura Catena é uma força. O La Posta Rosé (R$ 89 na Vinci) é delicioso. No Uruguai, Fabiana Bracco brilha na Bracco Bosca, prove o Ombú Sauvignon Blanc (R$ 109 na Vinhos Mundi). Da Catalunha, amo Sarah Martinent, que faz os vinhos Mas Martinet, importados pela Grand Cru. Do Chile, Maria Paz, da família Garcez Silva, faz o lindo Boya Rosé (R$ 149 na Vinci). No Brasil, para quem ama borbulhas, conheça o trabalho das mulheres da Casa Viccas para pét-nats e da Amitiê para o método tradicional.


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