Há alguns anos, às vésperas do Dia das Mães, fui convidada por um organismo internacional para o qual trabalhava a participar de uma jornada de imersão na floresta amazônica, e visitar os projetos sociais que eles mantinham junto a várias comunidades ribeirinhas da região. Com o convite, veio, então, o dilema: seria justo sair da civilização e me embrenhar por trilhas na floresta deixando minha filha —na época ainda criança— e minha mãe já idosa, a caminho das brumas do Alzheimer, sem o abraço e o almoço tradicionais da data? Desculpem os que me considerarem uma criatura desalmada, mas a resposta imediata foi um grande e sonoro SIM.
E lá fui eu para o meio do mato, feliz feito pinto no lixo (ou onça na mata), para essa viagem que foi uma das mais incríveis de minha vida de trilheira bissexta. Foram cinco dias sem celular, telefone, televisão, longe de qualquer shopping center muvucado e comendo sem enfrentar filas as habituais iguarias de acampamento —o indefectível macarrão com molho de caixinha, biscoitos e mix de castanhas. O brinde era com água, fervida para purificação (ninguém em sã consciência vai querer encher a mochila de água mineral para ir ao lugar do planeta onde chove montes, não à toa chamado pelos anglo-saxões de rain forest, ou floresta de chuva). Eventualmente, em alguma das aldeias do caminho, rolava um cauim ou caxiri, as bebidas feitas a partir da mandioca fermentada, acompanhadas de um bom rabo de jacaré na brasa, um banquete de luxo que os indígenas nos ofereciam.
Claro que, jornalista há muitas décadas, já aconteceu outras vezes de ter que faltar à celebração da efeméride maternal. Na verdade, aconteceu com uma frequência que horrorizará os mais afeitos à convenção ritualística, tanto por compromissos de trabalho meus como, mais recentemente, de minha (linda) cria. Mas essa viagem em especial ficou marcada por ter me dado um belo presente involuntário de Dia das Mães: a trilha de cinco dias pela imensidão amazônica, debaixo de (muita) chuva e dormindo em rede envolta em mosquiteiro, ao som dos dragões da floresta, como chamam os ribeirinhos os barulhentos e abusados bugios, macacos que rugem para espantar incautos que invadem sua área.
Um tempo depois, levei minha própria filha para conhecer parte da região que havia percorrido e, com ela, pude fazer alguns trechos de trilha pela mata, chafurdando no barro e bebendo a água do cipó cortado na hora pelo guia. Acho que ela entendeu a imensidão do chamado amazônico. Espero que tenha entendido. Neste Dia das Mães em que ela estará viajando, a trabalho em sua própria jornada, só posso torcer para que possamos viver mais aventuras juntas em breve. Porque nós somos dessas. E no Dia das Crianças a gente se acerta, combinado?
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