Começo admitindo uma derrota. Não achei a palavra ideal para descrever o céu do Atacama. “Indecente”, talvez, mas acho que algo se perde no elogio: “O céu do Atacama é indecente”.
Não obstante, durante a semana que vivi sob esse manto azul, senti-me mais do que abrigado por uma cor que ora encanta, ora castiga, ora perplexa, ora emudece. Eventualmente até intimida.
Não quem visita o Atacama, mas as outras atrações naturais dessa região tão fascinante da Terra.
Vulcões ativos, gêiseres fumegantes, lagos cristalinos –tudo corre o risco de empalidecer abaixo daquele céu. Apenas Saturno foi capaz de me surpreender mais do que aquele vasto azul, mas eu estou adiantando as coisas.
Eu já havia visitado o deserto do Atacama, no Chile, anos atrás. Mais do que a força das paisagens, porém, o que ficou daquela passagem foi a lembrança do enorme esforço físico que a jornada demandou.
Culpa minha, claro. Então ainda na flor dos 40 anos, me inscrevi em passeios de bicicleta e vigorosas caminhadas, só para me dar conta de que essas atividades talvez exigissem a energia dos meus 20 anos.
Foi tudo incrível, mas o esforço extremo, numa natureza que muitas vezes se apresenta inóspita, não me deixou guardar lembranças estupendas. Desta vez foi diferente.
Para começar, fiquei num hotel fantástico, o Nayara, bem ali em San Pedro de Atacama. De lá saí para todos os destinos… de carro! Alguns deles eu já havia visitado, outros eram novidade para este turista, surpresas até então ocultas que a natureza levou anos construindo.
Não conhecia, por exemplo, o Vale Arco-íris. O nome é perfeito para um conjunto de rochas que, por curiosas oxidações, ganham cores além dos tons terrosos: verde, branco, vermelho-forte e até azul. Sem falar na vertiginosa cascada seca que faz parte do complexo.
Imagina caminhar numa fenda de dezenas de metros onde, por apenas um curto período do ano, geralmente fevereiro, atravessam litros e litros d’água… Sensações inéditas assim eu vivi desta vez no Atacama.
Mesmo em lugares por onde já havia passado, tudo tinha um toque original. Nos gêiseres de El Tatio, além das temperaturas subzero, na alvorada do dia, vi não só a água quente brotar da terra como, graças aos conselhos do grande Alexis, nosso guia, registramos o momento exato em que o sol nasce e transforma aquelas torres de fumaça numa alegoria da criação da vida no nosso planeta.
Interpretações como essa surgem espontaneamente no Atacama. Flutuando nas águas geladas e ultrassalinas em torno da lagoa Cejar (mas não na própria, que é preservada); descendo de sandboard no vale de Marte; observando flamingos na lagoa Chaxa; tomando um pisco saber com rica-rica.
Mas, inesperadamente, nada me conectou mais à minha presença neste mundo do que a visão de Saturno do observatório do hotel. A tal indecência do céu vale também para a noite, especialmente naquela em que eu fiquei grudado num telescópio com a Lua cheia começando a minguar.
Naquele teto límpido, vi nosso satélite esplendoroso e magnético logo de cara. Mas a Lua está sempre lá, unindo amantes. Talvez não tão perto quanto aquelas lentes me permitiam enxergar, mas, mesmo assim, familiar. Então o instrumento foi ajustado para achar Saturno no espaço.
E aí eu simplesmente chorei.
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