O debate sobre a violência da polícia em São Paulo é uma boa oportunidade para esclarecer o público sobre o que, exatamente, é a defesa dos direitos humanos no debate sobre criminalidade.
A defesa dos direitos humanos tem uma dimensão moral, relacionada à dignidade da pessoa humana —inclusive dos criminosos sob a guarda do Estado. Esses valores são os que definem o liberalismo político e a civilização moderna.
Os países que consideramos desenvolvidos são os que mais respeitam os direitos humanos. O “agir dentro dos limites da lei” diante de criminosos é só um caso da regra geral “agir dentro dos limites da lei”.
Mas essa coluna não é uma pregação moral. É um conselho de prudência sobre quanto poder devemos dar aos funcionários do Estado.
Não é “pena de bandido” que inspira quem defende que os policiais só possam agir dentro da lei. É medo de entregar para os policiais, que são seres humanos como todos os outros, poderes de vida e morte típicos de ditador.
A história não sugere que uma porcentagem grande dos ditadores soube usar seu poder com parcimônia.
Não se trata de discutir se o criminoso é santo, mas de admitir que o Estado não é.
Os episódios recentes de violência policial mostram bem isso. Quando Tarcísio e Derrite sinalizaram que a polícia não prestaria mais contas a ninguém, um policial se sentiu à vontade para jogar um cidadão brasileiro do alto da ponte.
Sabe as “amarras do sistema” que você achava que impediam o combate ao crime? Na verdade, elas impediam a polícia de jogar gente do alto da ponte.
Sim, as câmeras corporais colocam limites ao que o policial deve fazer. Mas também lhes dificultam receber suborno, jogar gente da ponte, omitir-se diante de um crime que deveriam reprimir.
Elas também registram atos de heroísmo policial, momentos em que policiais recusam suborno, ajudam a analisar o que deu certo ou errado em uma dada operação. E, sobretudo: elas garantem que o Estado vai agir dentro da lei.
No Brasil, os direitos humanos levam a culpa pela crise da segurança. É uma desculpa que serve para tudo. O delegado recebe suborno do tráfico de drogas. Quando cobrado por sua inação, mente que não faz nada por causa dos direitos humanos.
O governante que não sabe equipar, treinar e remunerar uma polícia eficiente mente que as ONGs de defesa dos direitos humanos lhe amarram as mãos. O deputado, o juiz, todos dizem que a culpa é do barbudinho da faculdade de humanas que tem muito menos poder do que eles.
Não faz sentido. A grande maioria dos homicídios no Brasil não são solucionados. Isto é, mesmo se você quiser autorizar a polícia a matar todos os culpados, ninguém sabe quem são os culpados pela grande maioria dos crimes cometidos no Brasil.
Se tivéssemos como investigar a contento, provavelmente já seríamos organizados o suficiente para não precisarmos matar ninguém que não estivesse atirando em nossa direção.
Se tirarmos da frente a ilusão de que o problema da segurança pública são os direitos humanos, nossa vida ficará mais difícil.
Teremos que encarar questões complexas sobre como organizar a polícia, como melhorar as leis. Debateremos problemas mais difíceis, mas, pelo menos, debateremos problemas reais.
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