Acordei e não sabia onde estava. Mesmo. É quase um clichê, pensei. Mas eu não tinha certeza se abria os olhos em Governador Valadares ou Veneza. Em Mariana ou João Pessoa. Em Muro Alto ou Baía Formosa.
E essas são apenas algumas das cidades que visitei nos últimos três meses, numa rapidez que às vezes me fazia conquistar a duvidosa glória de passar por três estados brasileiros em menos de uma semana. Que inveja, dizem os comentários nas minhas postagens. Veja bem, eu respondo…
Antes de tudo, é importante assegurar que estou adorando o que está acontecendo. Livre de compromissos que me prendam numa rotina de horários, me senti, depois de muitos anos, livre para escolher fazer tudo que tinha vontade. Sobretudo, andar por onde eu quiser e quando eu quiser.
Por exemplo, ansioso para ir a Veneza visitar a Bienal curada por um brasileiro, Adriano Pedrosa, acabei encaixando essa viagem em cima da hora entre uma passada por Belo Horizonte e o Círio de Nazaré em Belém. Um roteiro de 1.300 km saindo de Mariana (MG) até Linhares (ES)? Claro. Pode ser entre outra passada rápida por Belém e uma visita a Recife?
Às vésperas de embarcar para Macapá e apenas algumas antes de sair do Brasil para o Natal (Paris) e o réveillon (Londres), não posso dizer que o ritmo deve arrefecer daqui até 2025. E tudo isso só me faz celebrar essa agenda frenética e sem fronteiras.
Mas hoje acordei de fato um pouco confuso. Ainda sonolento, tentava arrumar meus travesseiros (sempre um problema para mim) e me dei conta, por alguns segundos, de que não sabia onde estava.
Olhei em volta. Vi as cortinas abertas, como de praxe. Identifiquei o indefectível frigobar. Tentei lembrar onde era o banheiro. E me senti um pouco perdido, em lugar nenhum.
Não, quartos de hotel não são todos iguais. Da mistura de concreto com a selva do Bisma Eight em Ubud (Bali) ao terraço com vista para os cânions do Amangiri em Utah (EUA); dos vestiários reinventados da piscina Molitor (Paris) aos kitesurfs passando na frente das varandas do Filho do Vento em Barra do Cunhaú (RN), cada cantinho onde já fiquei pelo mundo me reservou uma experiência diferente.
Em quartos de hotel já tive uma crise nervosa (Brown’s, Londres, na véspera de entrevistar Paul McCartney); troquei presentes de amigo secreto (La Mirande, Avignon, França); terminei de escrever um livro (D’Un Île, Le Perche, França, biografia de Elza Soares); fui surpreendido nu pela camareira (Dylan, Amsterdã).
Mas quando eles se sucedem na mesma rapidez que as folhas de um calendário, o efeito pode ser mesmo perturbador. Tanto quando tirar do bolso um cartão magnético e não saber em que porta usar. Ou que andar escolher no elevador.
552? 1017? 61? 205B? A sensação não era nova: na primeira volta ao mundo que fiz, em 2004 (16 países em quatro meses), eu já me divertia com essa confusão matinal: Holborn, na Tasmânia (Austrália); Mombaça, no Quênia; Ponta do Sol, na Madeira (Portugal); Tasquente, no Uzbequistão… a bússola estava exausta!
E agora, tudo de novo, ainda mais rápido, ainda mais desorientador. E, na real, que delícia se sentir assim, temporariamente perdido. Como nessa manhã, quando comecei a escrever este texto em Vitória. Ou em Salinópolis. Ou em Povoação.
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