É feliz o carnaval dos acionistas privados da Eletrobras. O governo Lula os livrou de um “mico” bilionário. Quem vai cuidar do bichinho e enfrentar a ressaca da folia é a União – em última instância, o pagador de impostos.
O mico é a usina nuclear Angra 3. Iniciada há quatro décadas, a construção está parada e ninguém sabe quando vai terminar. O BNDES estima que a conclusão exigiria pelo menos R$ 23 bilhões. O abandono definitivo não sairia muito mais barato: R$ 21 bilhões, entre dívidas, multas e afins.
Quem teria de pagar essa conta? O governo federal e Eletrobras, que são sócios na Eletronuclear, a estatal responsável pelas usinas de Angra dos Reis (RJ). Compromisso assinado em 2022, ano da privatização, obrigava a Eletrobras a participar do financiamento em caso de retomada das obras.
Isso mudou. Graças a um novo acordo com o governo, anunciado na sexta-feira (28), a Eletrobras está dispensada de pôr dinheiro para completar a “nova” usina nuclear. Dará contrapartidas, de bom grado. Vai sair barato.
Não por acaso, o Itaú BBA definiu assim o desfecho das negociações, em relatório enviado a clientes: “O carnaval chegou mais cedo para a Eletrobras”. Casas como XP, Ativa e Goldman Sachs também consideraram o acerto favorável à empresa. As ações subiram.
A Eletronuclear enfrenta dificuldades financeiras e não conseguirá tocar a construção sem aporte dos sócios. Deve cerca de R$ 7 bilhões, contratados em governos anteriores do PT, quando a obra havia sido retomada. O canteiro de Angra 3 consome mais de R$ 200 milhões por ano com salários e manutenção.
Com a Eletrobras livre da encrenca, quem pagará por Angra 3? A União. Sozinha ou, quem sabe, com apoio de um novo sócio. O governo se comprometeu a ajudar a Eletrobras a encontrar um comprador para suas ações caso ela queira sair da Eletronuclear, mas é de se perguntar quem terá a coragem de entrar nesse negócio. A Eletrobras detém cerca de 36% das ações ordinárias (que dão direito a voto) e 68% das ações totais da estatal nuclear.
São duas as principais contrapartidas da Eletrobras no acordo com o governo. Uma delas é comprar R$ 2,4 bilhões em debêntures (títulos de dívida) que a Eletronuclear vai emitir, a fim de custear a ampliação em 20 anos da vida útil de Angra 1. Um dinheiro que tem retorno mais certeiro, pois essa usina já opera e gera receitas.
A outra contrapartida é dar mais espaço ao governo no conselho de administração da Eletrobras. Hoje a União tem um de nove assentos do colegiado. Passará a ter três de dez, além de um dos cinco lugares do conselho fiscal. Apesar disso, o governo federal continuará tendo seu poder de voto limitado a 10%, como os demais acionistas da Eletrobras.
O acordo é fruto da obsessão do presidente Lula por retomar o controle da Eletrobras. Ele e seu partido nunca aceitaram a privatização da empresa, no último ano do governo Bolsonaro. Na avaliação deles, o país precisa de uma estatal gigante de energia elétrica, por questões estratégicas, de soberania nacional etc.
Logo no início do atual mandato, o petista entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a discrepância entre a fatia da União na empresa (43%) e seu poder de voto (10%). A diferença chama atenção, mas é comum em “corporations”, que buscam limitar a ingerência de grandes acionistas. Foi com aval do Congresso que a Eletrobras adotou esse modelo após a privatização.
Diante de um arranjo aprovado pelo Parlamento e inscrito na legislação, o STF se esquivou de decidir e abriu conciliação. Após quase dois anos de negociação, o que Lula conquistou foi isso: algumas cadeiras no conselho da Eletrobras, o mesmo poder de voto e um mico que agora vai para o colo do contribuinte.
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