Nas Ilhas Galápagos, um frágil arquipélago na costa do Equador, todos parecem conhecer Alicia Ayala.
“Eles me chamam de rainha do Airbnb”, disse ela após cumprimentar os clientes com beijos e selfies no 1835, um restaurante batizado em homenagem ao ano em que Charles Darwin visitou essas ilhas e concebeu a Teoria da Evolução.
Desde a pandemia, centenas de galapaguenhos estão seguindo seu exemplo, alugando seus quartos por valores tão baixos quanto US$ 8 (R$ 42) por noite.
Ayala, 58 anos, explica seu modelo de negócio: Galápagos não é mais apenas para a elite. Alugar seus três apartamentos em Puerto Ayora, na Ilha Santa Cruz, por US$ 120 (R$ 638) a noite oferece a viajantes americanos com orçamento limitado, mochileiros europeus e famílias equatorianas “uma maneira acessível” de visitar um lugar que há muito tempo atende aos ricos, diz ela.
A promessa do Airbnb, fundado em 2007, sempre foi essa. Mas em todo o mundo, seu sucesso às vezes deu origem a hordas indesejadas de turistas. Tensões entre o Airbnb e as comunidades tornaram-se comuns nos últimos anos, de Barcelona a Beverly Hills, com críticas ao aumento dos aluguéis para os moradores locais e danos ambientais causados pelas multidões.
Mas defensores de Galápagos, uma província do Equador, dizem que o turismo excessivo é especialmente prejudicial lá. Afinal, onde mais existe uma comunidade que inclui leões-marinhos dormindo em pontos de ônibus e pássaros tão mansos que você pode tocá-los?
Em Puerto Ayora, o único ponto de civilização nas Galápagos majoritariamente desabitadas, cafeterias agora servem matcha, e cafés à beira-mar voltados para turistas oferecem atum (ameaçado de extinção) recém-pescado. Numa manhã recente, em uma praia de areia branca lotada de turistas, próxima à famosa Estação de Pesquisa Charles Darwin, um equatoriano de 20 e poucos anos, de cueca, cutucava caranguejos com um graveto e aterrorizava gaivotas enquanto sua namorada tirava selfies.
Proprietários de hotéis, naturalistas e outros críticos dizem que a explosão de aluguéis de curta duração altera o próprio ecossistema que milhares de visitantes vieram ver. A maioria dos aluguéis é publicada no Airbnb, mas plataformas como Vrbo, Booking.com e Expedia também fazem parte do mix.
Muitos culpam esses novos aluguéis de curta duração por atrair viajantes que não sabem que 97% deste arquipélago é um parque nacional protegido, e não respeitam a vida selvagem neste Patrimônio Mundial da Unesco.
Com visitantes regularmente perseguindo animais, bebendo e sujando praias, muitos moradores temem que essas ilhas estejam se tornando a Veneza superlotada do mundo natural.
Os críticos dizem que os aluguéis de curta duração conseguem passar despercebidos e evitar cumprir as regulamentações que mantêm as ilhas intactas. Em um comunicado, o Airbnb afirmou que sua atividade em Galápagos estava “em conformidade com as regulamentações existentes” e acrescentou que os aluguéis de curta duração eram “uma categoria não regulamentada de acomodações nas Ilhas Galápagos”. Vrbo, Booking.com e Expedia não comentaram.
O aumento dos aluguéis de curta duração tem outros efeitos em cascata: viajantes com orçamento limitado gastam menos que os turistas tradicionais, o que é desafiador para os negócios locais em um lugar onde a indústria do turismo emprega 80% dos 30 mil residentes de Galápagos.
“É uma economia frágil”, disse Mateo Estrella, ministro do Turismo do Equador. “Temos uma população que precisa de infraestrutura e renda. Precisamos encontrar um equilíbrio entre desenvolvimento e conservação.”
A natureza vale uma fortuna aqui —US$ 275 milhões em turismo (R$ 1,46 bilhões), US$ 110 milhões (R$ 585 milhões) em pesca, US$ 36 milhões (R$ 191 milhões) em carbono armazenado de plantas que capturam gases de efeito estufa por ano, segundo o Banco Central do Equador, mas isso depende de este lugar permanecer intacto. Este é o paradoxo de Galápagos.
Agora, hotéis e cafés estão meio vazios, e até mesmo os Airbnbs começaram a enfrentar dificuldades neste mercado lotado.
Galápagos levou milhões de anos para formar 19 ilhas, todas nascidas de erupções de lava. Com o continente a quase mil quilômetros de distância e sem humanos nativos para interferir, é fácil entender por que Darwin achou tão especial. As criaturas de cada ilha evoluíram de maneiras únicas: iguanas nadadoras, tartarugas gigantes, pequenos pinguins.
Mas a chegada dos humanos começou instantaneamente a mudar o ambiente e superacelerou a introdução de espécies invasoras que destroem ecossistemas —mais de 1.500 chegaram desde a visita de Darwin, incluindo frutas silvestres e gambás.
Quando o parque nacional foi estabelecido em 1959, a Unesco e a União Internacional para a Conservação da Natureza já haviam decidido que o impacto humano era insustentável e as ilhas estavam sob ameaça.
O limite anual recomendado de turistas foi fixado em 12 mil em 1975, mas isso não era exatamente científico, disse Tui De Roy, autora e naturalista cuja família belga chegou aqui na década de 1950.
Hoje, não há limite para o número de visitantes permitidos, e as ilhas estão a caminho de receber 300 mil este ano, quase o dobro da quantidade de 2007, segundo o Observatório de Turismo de Galápagos.
Quando a Covid chegou, os lockdowns acabaram com o turismo e derrubaram uma economia dependente dele. Durante meses, não houve cargueiros ou aviões trazendo pessoas ou alimentos básicos. Desesperadas, as pessoas trocavam qualquer coisa que pudessem por refeições. Algumas até abateram e venderam tartarugas.
Enquanto os galapaguenhos compartilhavam ideias no WhatsApp, perceberam que poderiam atrair turistas de volta alugando suas casas a preços baixos.
O Airbnb já estava na ilha antes da pandemia, mas de acordo com a Associação de Hotéis de Galápagos, havia apenas 56 anúncios em 2015 —e 350 em 2020.
Em 2023, o mundo havia recomeçado e o turismo de vingança explodiu. Em Galápagos, quase igualou os níveis pré-pandemia, e as reservas do Airbnb foram 50% maiores que as de hotéis, segundo a Associação de Hotéis.
Hoje, ninguém sabe quantos aluguéis existem, nem mesmo o governo do Equador. A associação de hotéis das ilhas documentou 1.364 Airbnbs este ano, em comparação com cerca de 300 hotéis, albergues e pousadas legais.
Um porta-voz do Airbnb, Sam Randall, disse em um email que a empresa “apoia a introdução de regras claras e justas sobre viagens que protejam os ecossistemas frágeis das ilhas enquanto capacitam economicamente a comunidade local”.
Embora ainda não haja uma lei proibindo oficialmente esses aluguéis, isso pode mudar. Em 2023, o Ministério do Turismo anunciou o que chamou de “plano hoteleiro”, no qual prometeu trabalhar com líderes comunitários e autoridades para estabelecer novas regras.
Os detalhes do plano continuam escassos. Em uma entrevista, o ministro citou a necessidade de estudar o problema cientificamente antes de dizer quantas acomodações desse tipo permaneceriam legalmente, ou como ele faria cumprir o fechamento dos aluguéis.
Ele agora está dizendo aos proprietários e plataformas “para se absterem de listar propriedades residenciais oferecendo serviços de acomodação, pois tal atividade é ilegal”. Em junho, Estrella disse que havia notificado mais de cem aluguéis que deveriam fechar dentro de dez dias, mas admitiu que não tinha ideia de quantos cumpriram.
Embora tenha dito que estava “preocupado” com os impactos de longo prazo no meio ambiente de Galápagos, também chamou o movimento de turistas de hotéis para o Airbnb de uma espécie de seleção natural.
Ayala agora lidera um grupo de proprietários de Airbnb cujos 175 membros lhe pagam US$ 10 (R$ 53) por mês na esperança de que a unificação lhes dê influência se e quando o proposto plano hoteleiro chegar.
É uma luta “pelo povo”, disse ela. “Os moradores locais só querem trabalhar legalmente sem destruir o meio ambiente. De qualquer forma, o número de turistas aumentará com ou sem o Airbnb. Mas o Airbnb mantém o dinheiro com os galapaguenhos, sem construir novos lugares.”
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