Rio de Janeiro
Eternizada na canção “Carta ao Tom 74”, de Vinicius de Moraes e Toquinho, a rua Nascimento Silva, em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro, era o refúgio de outro morador ilustre além de Tom Jobim (1927-1994): o também cantor e compositor Renato Russo (1960-1996), líder da Legião Urbana.
O apartamento de 136 m², com três quartos, duas salas, e outros cômodos amplos, onde o músico morou entre 1990 e 1996, está sendo negociado sem alarde no mercado imobiliário.
Avaliada em R$ 2,8 milhões, a propriedade está situada nesta rua tranquila, entre a Lagoa Rodrigo de Freitas e a praia de Ipanema. O prédio tem um apartamento por andar, e o imóvel ainda preserva características antigas, como a mesa embutida no quarto onde Renato criou cinco discos e posou algumas vezes para reportagens com a sua coleção de CDs e livros que ultrapassava cinco mil itens.
Após a morte do artista, aos 36 anos, em decorrência da Aids, o imóvel foi herdado pelo filho Giuliano Manfredini, 36, que na ocasião tinha sete anos. O apartamento recebe em média entre duas e três visitas por mês de clientes realmente interessados em comprá-lo. “Tem muito curioso também”, diz ao F5 Jefferson Joviano, da Joviano Imóveis.
“Nos fins de semana meu telefone não para, todo mundo perguntando sobre o imóvel, querendo agendar visita, é DDD de fora direto”, conta. Isso fez com que ele passasse a filtrar as visitas, principalmente para evitar aqueles que só querem estar no mesmo local onde o músico viveu até os seus últimos dias.
Ele conta que, na maioria das vezes, ligações de outros estados são de fãs que estão no Rio a turismo e querem ter a chance de visitar o lar do ídolo, se passando por clientes. Entretanto, algumas perguntas específicas feitas pelo corretor ajudam a separar quem está efetivamente interessado daqueles que anseiam somente saciar uma curiosidade.
Como o anúncio na Internet não faz menção ao morador famoso, é comum também o cliente desconhecer a informação, e quando descobrem in loco, reagem com surpresa. “É uma euforia, querem ficar mais tempo, reparam em cada detalhe”.
Mas existem aqueles também de uma faixa etária madura que não demonstram o mesmo entusiasmo. A presença de fãs na entrada do prédio de três andares é comum, cuja portaria estampou a capa do CD Stonewall Celebration, de 1994. Há quase três décadas, eles visitam o local, não fazem algazarra, tiram fotos, observam fixamente as duas janelas da sala, como se estivessem mais próximos do ídolo.
O imóvel está à venda desde 2023, discretamente, por opção do herdeiro, por isso, de modo geral, apenas admiradores do artista e alguns moradores do bairro tinham ciência. Além disso, a venda é exclusiva do corretor. O apartamento 201 está fechado desde a morte do célebre dono, e durante duas décadas abrigou seu vasto acervo, mas sempre sem residentes. O item mais novo são alguns aparelhos de ar-condicionado split que foram instalados para conservação de alguns objetos que seriam catalogados para uma exposição.
O refúgio do ícone de uma juventude inquieta
O edifício construído em 1938 com fachada de tijolos aparentes se mantém original, não tem elevador e nem porteiro e conta com uma vaga de garagem por morador. Joviano informa que nenhuma obra foi realizada após o falecimento do artista, e ressalta como pontos altos a localização e a metragem.
Outro detalhe que chama atenção é o bom estado do piso de taco, considerando a longevidade da edificação. O valor condomínio é de R$ 1,5 mil. O ator Mauricio Branco era amigo próximo de Renato e costumava frequentar sua casa. “Em uma sala tinha sofás, mesinhas com porta retratos da família; na outra, uma mesa de madeira de quatro lugares onde ele adorava fazer sessões de tarô para os amigos e oferecer jantares de comida japonesa”, lembra.
O ator descreveu a decoração como a de uma clássica casa de família tradicional. “Tinha almofadas de estampa florida, um cachorrinho de pedra e tudo muito colorido, os vasos sempre tinham lírios e girassóis trocados a cada quatro dias”.
Branco recorda-se da coleção de CDs, filmes e livros no home-office montado no quarto. “Ali ele lia, escrevia e fazia sessões de cinema. Um sintetizador e um violão também ficavam ali, além dos discos de ouro e platina. Passávamos tardes falando sobre a vida”, contou.
No outro quarto onde Renato dormia, havia uma cama azul queen size e muitas almofadas. Ele também rememorou a religiosidade do amigo: “Imagens de santos estavam em lugares de destaque, ele era muito católico. Festas eram raras, ele gostava de receber formalmente, não oferecia bebidas alcoólicas, mas caprichava na comida”.
Em um post em sua rede social, o cantor Paulo Ricardo lembrou de um momento curioso, quando foi buscar o músico em casa em 1996 para irem à gravadora Som Livre, em Botafogo, e deparou-se com Renato usando camisa florida, bermuda e chinelos para ir ao compromisso.
O ícone do rock, que soube expressar as inquietudes dos jovens brasileiros, tinha um ótimo convívio com os moradores de longa data do prédio, segundo uma vizinha que não quis se identificar. Renato era uma pessoa simples, gostava de alugar filmes, ouvir música, e não tinha um séquito de funcionários em casa, somente uma secretária que organizava compromissos e uma diarista que geralmente realizava a limpeza quando ele estava no estúdio.
O apartamento não está totalmente vazio, ainda restam no local um sofá de dois lugares, e um aparador de madeira, que poderão ser negociados no ato da compra. Além desses dois artigos, um imenso painel com a imagem do artista no palco, encontra-se parcialmente desmontado e apoiado na parede da sala.
Em um dos espaços onde ele passava mais tempo (o quarto), o corretor salientou uma ‘recordação’ deixada pelo artista: “Tem uma marca de queimadura de cigarro dele na mesa, que continua lá”. Na garagem, repousa um Ômega GLS cor verde, ano 1996, que também pertencia ao músico.
O automóvel não está à venda por enquanto, embora propostas sejam recorrentes, mas Joviano avisa que a compra do imóvel não inclui o veículo, que terá outro destino quando a venda for concretizada.
Em 25 de julho de 2023, o prédio recebeu a placa azul de Patrimônio Cultural da Prefeitura do Rio de Janeiro, fazendo parte do Circuito da Música. Em 12 anos de carreira, a Legião Urbana vendeu quase seis milhões de cópias dos oito discos lançados entre 1985 e 1997. Renato ainda gravou dois álbuns solo: “Stonewall Celebration” em inglês e “Equilíbrio Distante”, em italiano.
Ex-cobertura do Poetinha está disponível para locação
A 700 metros da residência de Renato, na rua Prudente de Morais, no edifício do Teatro Ipanema (hoje Teatro Rubens Corrêa), viveu outro poeta: Vinícius de Moraes. Na cobertura superior a 100 metros quadrados moraram mais tarde o filho dele, Pedro de Moraes (1942-2022) e a esposa, a atriz Vera Valdez (1ª manequim brasileira da Chanel) e a filha, a cantora e atriz Mariana de Moraes.
A família do atual proprietário, Alexandre Veiga, adquiriu o imóvel há quase três décadas, onde dividiu a propriedade em duas unidades e a viabilizou para arrendamento por temporada em plataformas como Airbnb, com diárias a partir de R$ 700. O apartamento maior conta com terraço, bar e sauna, e acomoda até três pessoas. Na outra unidade, cabem quatro hóspedes.
Indagado sobre a reação dos hóspedes quando descobrem que ali viveu uma personalidade notória, Veiga respondeu: “sempre ficam felizes em saber que estão no lar que pertenceu ao Vinicius e também ficam encantados com a história do teatro de 1968.”
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