Agora é oficial. Um relatório detalhado da Diretoria de Inteligência da Polícia Federal, resultado de uma longa e minuciosa investigação, comprova que Jair Bolsonaro planejou manter-se no poder por meios ilícitos e violentos, chegando a colocar o plano em marcha. Bolsonaro e seu círculo íntimo —afinal, ninguém organiza uma operação dessa magnitude sem uma estrutura bem articulada e posicionada.
O relatório detalha quem foram os Goebbels, Himmler, Göring, Heydrich e Röhm de Bolsonaro. A maioria ostenta altas patentes militares —general, almirante, coronel, tenente-coronel—, mas também havia “juristas”, políticos e até padre e juiz federal, deixando claro que o desprezo pela democracia não se restringe aos meios militares deste país.
Como o círculo íntimo de Hitler, o de Bolsonaro também se dividia em especialidades bem definidas: a propaganda preparava o terreno; os conspiradores construíam pactos de lealdade e alianças estratégicas; os assassinos eliminavam (ou “neutralizavam”, como preferem dizer) os obstáculos; os comandantes de tropas se preparavam para enfrentar ou intimidar a resistência; enquanto o núcleo jurídico fornecia um verniz de legalidade às monstruosas ilegalidades e corria para criar leis para um novo regime erguido sobre arbítrio, cadáveres e sangue. Tudo foi planejado, articulado, posto em movimento e, agora, devidamente investigado e documentado.
Uma conspiração com tantas etapas naturalmente teria várias oportunidades de fracasso. E fracassou. Não, certamente, por falha da propaganda, que entregou aos golpistas uma base popular extremamente mobilizada e disposta a tudo, como se viu no 8 de Janeiro, quando o beneficiário do golpe já havia recuado e o plano militar estava desabilitado. Tampouco falharam os que estavam prontos para legalizar e institucionalizar o golpe consumado, como atestam os inúmeros planos estratégicos, minutas do golpe e até o discurso de posse do novo ditador encontrados pela polícia.
O elaboradíssimo plano para “neutralizar” Alexandre de Moraes foi abortado, mas não devido a falhas do núcleo de assassinos, recrutados entre os agora famigerados “kids pretos”, e sim por força das circunstâncias e, posteriormente, por decisão política.
A verdadeira falha parece ter ocorrido entre os conspiradores, que não conseguiram convencer todos os envolvidos de que os ganhos superavam os riscos. Não foi virtude moral nem apego à democracia o que emperrou a engrenagem golpista, mas cálculos pragmáticos. Alguns conjurados em posição de comando reavaliaram custos, perdas prováveis e riscos presumidos, concluindo que não valia a pena. Afinal, sequestrar e assassinar um ministro do Supremo, envenenar o presidente eleito, “neutralizar” o vice-presidente, prender opositores e correr o risco de uma guerra civil —e tudo isso para quê? Para garantir poderes ditatoriais a Jair Bolsonaro, alguém com perfil mais de golpista de artigo 171 que de golpista comandante de tropas? Só para lunáticos essa conta fecharia.
Ainda assim, foi uma proeza considerável. Não parece plausível que um homem com tão poucas qualidades tenha convencido tantos a arriscar tudo por sua permanência no poder. É mais razoável supor que havia interesses tão determinados a destruir um regime em que esquerda e liberais podem vencer eleições que aceitaram Bolsonaro como um inconveniente menor. Isso era o de menos para quem considerava a guerra civil como hipótese e achava “danos colaterais aceitáveis” as mortes de Moraes e sua equipe de segurança, os assassinatos de Lula e Alckmin, além de planejar, como primeira medida estratégica pós-golpe, a prisão preventiva dos juízes do STF “geradores de instabilidade”.
O relatório não apenas revela as entranhas de uma conspiração, mas ilumina a natureza de alguns protagonistas da política nacional. Mostra o desconforto de boa parte da elite militar com governos civis, com os freios impostos por uma Constituição democrática e com a abstinência de poder político. E o quão longe estão dispostos a ir para mudar essa situação.
Assim como expõe a completa ausência de escrúpulos de Bolsonaro e de seus aliados, mesmo considerando apenas o senso moral mais elementar. Afinal, o que se pode dizer de alguém que, para permanecer no poder, aceita que se elimine o juiz que arbitrou as eleições, mate-se o adversário que o derrotou nas urnas e se arraste o país para uma guerra civil? Tal disposição só evidencia a absoluta falta de qualquer limite moral de Bolsonaro e do projeto autoritário que ele representou.
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