Foi um final meio fraquinho para a trama policial mais espetacular de 2024: o assassino do CEO de planos de saúde foi preso no McDonalds, com a mochila cheia de provas contra si mesmo. Seu nome, Luigi Mangione –traduzido do italiano para o português, Luís Comilão.
Imagino que você já conheça a história, mas vamos recapitular. Mangione matou a tiros Brian Thompson, principal executivo da UntedHealthcare, uma das maiores seguradoras de saúde dos EUA. O crime aconteceu numa manhã de quarta-feira, em uma área muito movimentada de Nova York.
O assassino até esta segunda-feira (9), havia sido bem-sucedido no esquema de fuga e esconderijo.
A forma como ele foi preso, dando mole demais numa hamburgueria, sugere que a fama lhe subiu à cabeça.
Fama não é algo necessariamente bom. Mangione, entretanto, passou a gozar de boa fama –o que ativou alarmes nas autoridades e em vários setores da sociedade.
O atirador mascarado ganhou aura de herói popular, de vingador das classes oprimidas, do cara que ousou perpetrar um protesto desesperado contra a máquina de moer carne do sistema das operadoras de saúde –setor que sabidamente dificulta ao máximo, para dizer o mínimo, a vida de seus clientes.
Vozes da imprensa, observadora do fenômeno nas redes sociais, demonstraram preocupação com a inversão de valores. Com razão. Atos de violência extrema não devem ser banalizados, muito menos glorificados.
Parece que ainda falta entender a magnitude do significado do caso Thompson-Mangione. O tamanho da panela de pressão em que os EUA e o mundo estão enfiados.
A reação da opinião pública a favor do criminoso atordoou o pessoal do dinheiro grosso. Eles não tinham a percepção do ódio de que são alvo.
A saúde privada é um negócio cruel. Tive amigos que trabalharam na área e traziam relatos aterradores. Farmacêuticas e fabricantes de material hospitalar superfaturam nas vendas para hospitais; hospitais repassam a tunga para planos de saúde, SUS e pacientes desassistidos. Os associados desses planos, elo mais frágil da cadeia, pagam a conta dos bônus do pessoal dos andares superiores.
Como cliente PJ de plano de saúde, tenho entubado nos últimos anos reajustes de 25% ou mais. Atrasos e recusas de procedimentos são padrão. Cancelamentos unilaterais dos planos têm sido cada vez mais recorrentes.
Morre muita gente que poderia ser salva se a máquina não trabalhasse contra.
Mas a cesta de Natal dos executivos nunca atrasa. Papai Noel é sempre generoso.
O assassinato de Brian Thompson deve ser lido como um sintoma de que algo vai muito mal. Não adianta apenas condenar o atirador e triplicar a blindagem das carangas dos capos da saúde.
Quanto ao assassino Mangione, é um filhinho-de-papai que resolveu brincar de anti-herói de HQ. Também é um jovem que, aparentemente, vive em dor lancinante devido a um problema na coluna.
Parece improvável, dada a riqueza da família do atirador, que ele não pudesse usufruir dos mais avançados tratamentos para a sua condição.
No seu delírio de vingador, Luisinho Comilão percebeu que agradara aos descontentes com o descalabro na saúde –99.9999% dos quais nunca iriam às vias de fato como ele foi, mas se sentiram desobrigados de ter alguma empatia com a vítima.
Mangione demonstrou ser um excelente jogador de esconde-esconde. Não teria sido difícil passar algumas semanas, talvez meses recluso numa casa alugada, pedindo pizza toda noite.
Ele preferiu se expor. Deixou-se capturar no mais mundano dos ambientes mundanos, o palácio de Ronald McDonald. Tinha consigo a arma, a identidade fajuta e um manifesto manuscrito, o que demonstra que antecipava a prisão. Seguida da aclamação pelo público.
Não é herói de coisa alguma. É um menino rico gravemente perturbado, que deixou a vaidade atropelar a sensatez e até o instinto de autopreservação.
Mais um sintoma de que o mundo está doente demais.
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