É início de tarde quando começo a escrever estas linhas. Só consegui fazê-lo, contudo, depois de tomar um expresso. Precisei recorrer à cafeína para combater a sonolência após um almoço exagerado. Entendo, portanto, o por que de o prolífico escritor Honoré de Balzac (1799–1850) ter recorrido tanto ao café. Afinal, se eu, para redigir alguns parágrafos, precisei de uma boa xícara, imagina o necessário para escrever “A Comédia Humana”, o monumental conjunto de 91 obras publicado pelo francês?
Balzac era viciado em café. Consumia a bebida para se manter acordado e conseguir escrever ao máximo, até que estivesse completamente exausto, relata sua biógrafa Mary F. Sandars. O próprio escritor atesta. “O café é um grande poder na minha vida; observei seus efeitos em uma escala épica”, escreveu em um ensaio. “O café põe o sangue em movimento e estimula os músculos; acelera os processos digestivos, afasta o sono e nos dá a capacidade de nos dedicar um pouco mais ao exercício do nosso intelecto.”
Esse consumo desmedido, contudo, acabou com a saúde do escritor, que dormia muito pouco e tinha episódios de intensa irritação, como um que ele próprio registrou: “Alguns amigos, com quem eu tinha ido ao campo, testemunharam-me discutindo sobre tudo, discursando com uma má-fé monumental. No dia seguinte, reconheci meu erro e buscamos a causa. Meus amigos eram homens sábios de primeira categoria e logo encontramos o problema: o café queria sua vítima”, relatou.
Segundo o médico Philippe Charlier, autor do livro “Autopsie des Morts Célèbres” (autópsia de mortos célebres, em tradução livre), hoje é possível concluir que o escritor morreu em decorrência do consumo abusivo de café.
Charlier diz que uma vasta documentação corrobora essa tese. “Temos a sorte de dispor de muitos testemunhos que nos descrevem o avanço da doença de Balzac e seu consumo de café, que é cada vez mais intenso. Ele precisa se manter acordado para escrever, pois é pago por página e tem muitas dívidas, precisando escrever muito. Então temos relatos, cartas, testemunhas, amigos, vizinhos, críticos que nos falam de Balzac e do café. É, portanto, bem descrito e preciso”, diz Charlier ao Café na Prensa.
“Os sinais de insuficiência cardíaca por ação direta da cafeína no tecido cardíaco se instalam. Seu estado cardíaco piora dia após dia, até a morte”, afirma Charlier. Em um ensaio, Balzac descreve o efeito psicoativo que o café causa ao alcançar seu estômago:
“Faíscas disparam até o cérebro. A partir desse momento, tudo se agita. As ideias marcham rapidamente como batalhões de um grande exército rumo ao seu lendário campo de batalha, e a batalha se desenrola. Memórias avançam, bandeiras brilhantes no alto; a cavalaria da metáfora se desdobra com um galope magnífico; a artilharia da lógica avança com vagões e cartuchos estrondosos; sob as ordens da imaginação, atiradores miram e disparam; formas e figuras e personagens se erguem; o papel se espalha com tinta —pois o trabalho noturno começa e termina com torrentes dessa água negra, assim como uma batalha se abre e conclui com pólvora negra”.
Perdoe-me, leitor, por não ter conseguido produzir um texto à altura de Balzac, apesar de tê-lo escrito sob o efeito da cafeína. Não é culpa do café. É que meu humilde batalhão literário não é páreo para o exército balzaquiano.
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