Todo jornalista da minha geração conhece o episódio boimate. Lá em 1983, uma respeitada revista semanal brasileira publicou um artigo que anunciava a criação, por cientistas da Universidade de Hamburgo, de um híbrido de boi e tomate.
Ocorre que a redação da revista caiu em uma pegadinha. Como é costume na imprensa britânica, o semanário New Scientist publicou uma bobagem sem pé nem cabeça na edição de 1º de abril, Dia da Mentira. Os brasileiros acreditaram.
O episódio é narrado nas faculdades de jornalismo, onde consecutivas turmas de formandos ingressam no mercado de trabalho já com o pavor de vir a cair em trote semelhante.
Esperei abril chegar para dizer aqui que o lendário boimate talvez tenha se tornado realidade –mantenho todas as reservas possíveis porque não vi a criatura com meus próprios olhos.
Cecilia Tham define a si mesma como “futurista”, no sentido de alguém que trabalha com o futuro da mesma forma que um dentista trabalha com dentes.
CEO de uma empresa de inovação chamada Futurity Systems, Cecilia foi chamada em janeiro para palestrar no Madrid Fusión, gigantesca feira de gastronomia na capital espanhola. Eu estava na plateia.
O Madrid Fusión 2025 celebrou a dita revolução da cozinha espanhola de 30 anos atrás, enquanto buscava sondar qual será a próxima revolução da gastronomia. Para a surpresa de zero pessoas, a inteligência artificial foi um tema recorrente nas rodas de conversa.
Na sua apresentação, Cecilia citou três maravilhas possíveis graças à aplicação da IA na alimentação humana.
Uma delas era o uso de eletroestimulação das papilas gustativas, de modo que a pessoa sinta sabores onde não há comida alguma. Outra, plantas capazes de comandar vasos motorizados e buscar elas mesmas lugares com água ou luz.
E aí entrou o que Cecilia batizou de “tomeato” –”tomato” é tomate e “meat” é carne, um trocadilho que não funciona em português, então fiquemos com o boimate.
Não se trata exatamente do mesmo boimate de 1983, mas do uso de um tomate para cultivar células de carne, algo que me soou até plausível. Mas vá saber, visto que a apresentação foi bastante superficial, sem dados técnicos, e não se encontra nenhuma imagem realista do tal “tomeato” –que em tese já existe– em lugar nenhum.
“Trata-se de carne artificial, geralmente cultivada em laboratório. Em vez de crescer em matrizes, foi colocada dentro de um tomate, isto porque no laboratório a carne cresce plana, sem volume”, diz Cecilia.
Ainda segundo a CEO, será possível criar dentro do tomate, junto com a carne, outros vegetais como alho e cebola, resultando numa refeição completa. Oi? Aliás, um vídeo de divulgação da Futurity mostra uma mulher toda estilosa aquecendo o tal boimate no micro-ondas para almoçar.
Se esse é o futuro da alimentação, fico de boa no presente.
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