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Brasil não deve intermediar volta de crianças ucranianas raptadas



O Ministério das Relações Exteriores do Brasil respondeu a um apelo da Ucrânia para mediar o resgate de cerca de 20 mil crianças sequestradas pela Rússia de forma dúbia e apontando para o plano de paz da China – que é considerado pró-Moscou por não prever a devolução de territórios ocupados à Ucrânia por tropas russas. É pouco provável que o país aceite ser mediador para se reaproximar das democracias do Ocidente.

Os sequestros em massa das crianças ocorreram principalmente em 2022, ano da invasão russa de larga escala na Ucrânia. Famílias nos territórios ocupados de Kherson, Zaporizhzhia, Luhansk e Donetsk eram obrigadas a enviar seus filhos para escolas administradas pela Rússia.

As crianças eram então enviadas para “colônias de férias” ou “excursões” e nunca mais voltavam para suas casas, segundo fontes ucranianas familiarizadas com a investigação. Elas eram sim enviadas para a Rússia, onde tinham suas identidades trocadas e eram adotadas por famílias locais.

Uma investigação do Tribunal Penal Internacional constatou que o ditador Vladimir Putin teve ligação direta com os sequestros e por isso ele é alvo de um mandado de prisão internacional por crimes de guerra.

O chefe de gabinete do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, Andrii Yermak, convidou na terça-feira (14) o governo brasileiro a atuar como intermediador do resgate das crianças. Como o número dois da hierarquia do governo ucraniano não foi atendido pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele fez o convite publicamente por meio de uma entrevista aos principais órgãos da imprensa brasileira.

Questionado pela Gazeta do Povo, o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) não deu uma resposta direta, condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas, ao mesmo tempo, exaltou o plano de paz chinês pró-Moscou – que é apoiado formalmente pelo Brasil.

“O governo brasileiro tem reiterado, de forma clara e inequívoca, sua condenação à invasão russa do território ucraniano na Organização das Nações Unidas e em outros foros multilaterais, inclusive no BRICS”, disse o Itamaraty em nota.

“A questão das crianças ucranianas representa um dos aspectos mais trágicos e preocupantes do conflito russo-ucraniano. A preocupação com questões humanitárias tem sido importante elemento do posicionamento do Brasil com relação ao conflito, do que são exemplos: a concessão de visto temporário e autorização de residência a ucranianos (no Brasil), para fins de acolhida humanitária; a doação e apoio a doações de caráter humanitário; e a atuação do país em foros internacionais onde temas humanitários são tratados”, diz o segundo parágrafo da nota.

O Itamaraty não disse, porém, quais doações de caráter humanitário foram feitas à Ucrânia. Quando Kyiv ofereceu um contrato bilionário ao governo brasileiro para fornecer ambulâncias blindadas, em 2023, Lula impediu a continuidade das negociações. O argumento era não tomar parte do conflito.

O terceiro e último parágrafo da nota envida à reportagem traz a menção ao plano de paz da China: “Os ‘Entendimentos Comuns entre o Brasil e a China sobre uma Resolução Política para a Crise na Ucrânia’, de maio de 2024, abordam o tema da proteção das crianças, em seu ponto 3: ‘São necessários esforços para aumentar a assistência humanitária em áreas relevantes e prevenir uma crise humanitária de maior escala. Ataques a civis ou instalações civis devem ser evitados, e a população civil, incluindo mulheres, crianças e prisioneiros de guerra, deve ser protegida'”.

O texto faz referência a um tratado assinado pelo Brasil com a China no primeiro semestre de 2024 para apoiar o plano de Pequim para intermediação do fim do conflito na Ucrânia. Desde então, o documento ficou conhecido como iniciativa de paz sino-brasileira.

O plano é considerado por analistas ocidentais como um plano pró-Rússia elaborado por Pequim para apoiar Putin. Isso porque ele não prevê a retirada de tropas do Kremlin das regiões invadidas na Ucrânia, condição imposta por Kyiv com base na Carta da ONU e tratados internacionais que proíbem a anexação territorial por meio da força.

A intermediação brasileira da questão do rapto das crianças era vista pela Ucrânia como uma oportunidade oferecida ao presidente Lula para se reaproximar das democracias do Ocidente. O petista vem usando a diplomacia brasileira para se aproximar da Rússia e da China, principalmente no contexto do bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã), que vem tomando um caráter antiocidental desde a presidência da China em 2023.

Lula também vem se recusando a receber Zelensky e diplomatas ucranianos oficialmente, embora tenha recebido o chanceler russo Sergey Lavrov duas vezes. Zelensky chegou a pedir para encontrar-se com Lula quando veio ao Brasil, em 2023, a caminho da posse do presidente argentino Javier Milei. Lula se recusou a ir até o aeroporto e mandou um diplomata em seu lugar.

Por causa disso, os ucranianos têm tentado dialogar com a sociedade brasileira entrando em contato com deputados, senadores e com a imprensa.



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