O Orçamento da União segue cada vez mais pressionado, com 95% dos recursos comprometidos em despesas obrigatórias — muitas delas em expansão descontrolada — e pelo avanço do Legislativo, que ampliou o volume de emendas parlamentares nos últimos anos. Essa combinação tira fortemente a margem de manobra do governo para lidar com a realidade.
Desde o início da atual gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o problema se agrava a cada ano. Para aliviar o aperto, o presidente apela para negociações com líderes partidários e intervenções pontuais do Supremo Tribunal Federal (STF), como o bloqueio de emendas. Entretanto, especialistas avaliam que o equilíbrio permanente requer revisão estrutural dos gastos, algo que o governo tem mostrado forte resistência em realizar.
De 2016 a 2019, os gastos discricionários, aqueles não obrigatórios e de livre destinação, chegavam a 12% do Orçamento da União. Durante os anos de 2021 e 2022, esses valores caíram para a faixa de 8%. Em 2023, esse percentual ficou próximo de 7%, o que deve se repetir em 2024 e 2025, podendo oscilar conforme a arrecadação e as metas fiscais.
Cobrado pelo mercado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), anunciou um pacote de cortes de gastos considerado insuficiente e até contraditório. A medida expôs o desconforto do governo com o crescimento de despesas politicamente sensíveis para a esquerda, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – salário-mínimo pago a cidadãos em situação de vulnerabilidade e idosos sem cobertura da Previdência – e programas para assalariados.
A Câmara aprovou na terça-feira (17) o primeiro projeto do corte de gastos, que impõe “gatilhos” para conter gastos do governo em caso de déficit nas contas públicas. Entre as medidas estão o bloqueio da criação ou ampliação de benefícios fiscais, a limitação do crescimento de despesas com pessoal a 0,6% acima da inflação até 2030 e a possibilidade de usar saldos de cinco fundos públicos para reduzir a dívida pública. Além disso, o governo poderá bloquear até 15% das emendas parlamentares. O texto vai para o Senado.
Votação do Orçamento marcada pela briga de Legislativo e governo por verbas
A Comissão Mista de Orçamento (CMO) aprovou, nesta terça-feira, o projeto da LDO que segue para votação no plenário do Congresso. Entre os pontos principais, manteve-se a previsão de reajuste do salário-mínimo para R$ 1.502, embora esse valor ainda possa ser alterado.
No relatório aprovado, a exigência de o governo cumprir o centro da meta fiscal até outubro foi removida, sob o argumento de que tal restrição não seria necessária. Certas despesas, como as vinculadas à Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), ficarão protegidas de eventuais cortes.
O texto também incluiu a possibilidade de correção do fundo partidário de acordo com a regra do novo arcabouço fiscal, o que pode resultar em valores abaixo da inflação. Além disso, o governo passa a ter o poder de suspender o pagamento das chamadas “emendas Pix” caso não seja apresentado um plano de uso dos recursos. Entretanto, qualquer bloqueio dessas emendas deverá ser proporcional ao corte aplicado sobre outras despesas não obrigatórias.
A LDO de 2025 enfrentava impasses em relação às novas regras de emendas parlamentares, ditadas pelo ministro Flávio Dino, do STF. Em agosto, o pagamento das emendas foi suspenso; depois houve liberação mediante normas que desagradaram os parlamentares. O relator alertava até para o risco de “apagão de governança”, caso o consenso não fosse alcançado em tempo.
A LOA de 2025, que definirá os gastos do governo no próximo ano, está prevista em R$ 5,87 trilhões; quase metade disso (R$ 2,77 trilhões) corresponde a juros da dívida pública, que não param de subir e podem chegar a 10% do PIB, refletindo desajustes macroeconômicos e o aumento da percepção de risco com o tamanho do passivo, rumo aos 80% do PIB.
A Previdência Social, em particular, deve consumir 49,4% das despesas obrigatórias em 2025, atingindo pela primeira vez o patamar de R$ 1 trilhão — com um crescimento de 9% em relação a 2024.
Orçamento engessado tira espaço para governo investir em infraestrutura
Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, alerta que a rigidez orçamentária, agravada pelo poder crescente do Legislativo sobre os recursos discricionários, resulta em baixos investimentos públicos, impedindo crescimento maior da economia.
Segundo ele, para o Produto Interno Bruto (PIB) crescer ao menos 4% por ano, o país precisaria elevar significativamente a taxa de investimentos, hoje em 16% do PIB (público e privado). Pestana defende a revisão da estrutura do orçamento para ganhar mais flexibilidade e impulsionar investimentos.
Arthur Wittenberg, professor de Relações Institucionais e Políticas Públicas do Ibme-DF, alerta que a margem orçamentária apertadíssima pode comprometer programas de governo, muitas vezes sacrificados em favor de medidas de curto prazo. “Transferências de renda e políticas imediatistas ganham espaço, fragilizando a continuidade de ações essenciais”, lamenta.
Nesse contexto, o especialista lembra que o governo é levado a fazer escolhas difíceis entre investimentos em infraestrutura, educação, inovação e a manutenção de certos subsídios, diante de recursos cada vez mais escassos e decisões técnicas e políticas cada vez mais complexas.
“Para amenizar esses efeitos, é indispensável focar na eficiência do gasto público, com gestão moderna da máquina estatal e das estatais, muitas delas apresentando resultados altamente deficitários”, observa.
Segundo a IFI, a participação das despesas com emendas parlamentares no percentual total das despesas discricionárias cresceu de 11,1%, em 2020, para 16,8%, em 2024.
Novo arcabouço não conseguiu impedir crescentes restrições a recursos livres
A promessa de Lula 3 era superar as amarras do teto de gastos, adotado em 2016, e retomar investimentos. Contudo, o arcabouço fiscal aprovado em 2023 em sua substituição, com modelo mais flexível, também prevê limites de expansão das despesas obrigatórias e discricionárias.
Pela Constituição, o governo é obrigado a destinar um percentual mínimo de suas receitas líquidas para saúde e educação. Com o teto de gastos, esses mínimos constitucionais foram combinados a um limite geral de crescimento. Mesmo com o novo arcabouço, aprovado em 2023, continuam as vinculações, embora haja debates sobre eventuais mudanças futuras.
Em geral, a saúde e a educação costumam, juntas, absorver cerca de 15% a 18% da despesa primária total, embora, no Orçamento global, isso varie ano a ano por conta de receitas extraordinárias e transferências.
O Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que contempla sobretudo benefícios do INSS, é historicamente o maior item de despesa do governo. Desde 2015, a despesa previdenciária vinha crescendo, mas desacelerou um pouco após a reforma de 2019. Contudo, o crescimento do número de aposentadorias e o aumento da sobrevida da população, além da recomposição do salário-mínimo acima da inflação, a impulsionaram.
A recorrente tensão entre Executivo, Legislativo e Judiciário pela alocação de verbas alimenta ainda o debate sobre possível semipresidencialismo. Entretanto, não há consenso político ou popular sobre a mudança de sistema de governo.
Para Miguel Gerônimo da Nóbrega Netto, servidor aposentado da Câmara e professor de processo legislativo na Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Brasil desenvolveu modelo singular de elaboração do Orçamento público. Nele, o Legislativo extrapola o papel de aprovar ou ajustar a proposta enviada pelo Executivo — que também é responsável por sua execução. “Estudos comparativos com outros países evidenciam a peculiaridade, apontando para a necessidade de um debate nacional”, disse.
Desvinculação de receitas serve para governo driblar o aperto orçamentário
A Desvinculação de Receitas da União (DRU) é um mecanismo constitucional que permite ao governo realocar até 30% de receitas originalmente vinculadas a áreas específicas para outras despesas prioritárias. Sem gerar recursos, ela apenas desengessa parte do Orçamento, dando maior flexibilidade ao Executivo para equilibrar as contas públicas e atender demandas urgentes ou estratégicas.
Renovada periodicamente via emendas constitucionais, a DRU coexiste com regras fiscais, como o novo arcabouço fiscal aprovado em 2023, e segue como ferramenta crucial para o governo lidar com o alto grau de vinculações e gastos obrigatórios do Orçamento brasileiro.
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