Os gringos já descobriram. Subiram e desceram aquele mundão sem fim de dunas entremeadas pela vegetação de restinga. Percorreram a extensa faixa litorânea, onde compraram terras, tomaram banho na barra de rios, mergulharam em lagos de água da chuva e surfaram por seus mares ao sabor do vento incessante em praias desertas.
Vizinha de Jeri, com preços mais acessíveis e sem aquela atmosfera de turismo predatório, a cidade de Camocim, na costa oeste do Ceará, vem-se tornando a sensação para quem procura lugares ainda selvagens do litoral brasileiro.
Camocim é um dos 14 municípios que fazem parte da Rota das Emoções, roteiro turístico que percorre os estados do Ceará, do Piauí e do Maranhão. Já descoberto pelos visitantes estrangeiros, o itinerário ainda é pouco explorado por brasileiros.
Por um trajeto de mais ou menos 500 km, o visitante é envolvido por paisagens deslumbrantes, como os Lençóis Maranhenses e o Delta do Parnaíba —Camocim é, justamente, a dona do maior trecho litorâneo da rota, com aproximadamente 64 km.
Graças ao aeroporto de Jericoacoara, que se localiza no município vizinho de Cruz, chegar até Camocim ficou mais fácil para quem sai do Sul/Sudeste. De São Paulo, por exemplo, são cerca de três horas e meia de voo, mais 90 km de estradas pelo semiárido, boa parte atravessando a caatinga. Partindo da capital, Fortaleza, o percurso aumenta para 355 km, ou ao menos cinco horas de carro.
Antes de mais nada, é bom que se diga: Camocim não é exatamente um destino praiano daqueles em que o turista simplesmente estende a canga na areia e passa o dia debaixo do guarda-sol curtindo só preguiça.
É, digamos assim, um lugar mais para explorar a beleza da natureza à beira-mar, em passeios por praias desertas ou travessias por vilas rústicas de pescadores, encravadas entre dunas e o mar, para tomar um banho de rio ou de lagoa, para curtir uma piscina natural salgada onde não há vivalma.
O tempo se divide basicamente em duas estações: a chuvosa, de janeiro a junho, e a seca, de julho a dezembro. A temporada internacional de kitesurfistas se inicia em agosto, momento de alta incidência de forasteiros estrangeiros por lá.
É quando o céu passa a ser rabiscado pelas cores vivas das pipas de kitesurfe, um tipo de vela que permite o deslocamento sobre a água ao sabor do vento.
“Camocim é o Havaí do kitesurfe”, compara Leonardo Fernandes, instrutor. “Aqui, temos ventos constantes que chegam a atingir 60 km/h durante a temporada.”
As praias do Maceió e da Baía das Caraúbas costumam ser bastante prestigiadas pelos kitesurfistas. Outro ponto apadrinhado por eles é a praia do Farol do Trapiá —apesar do nome, não existe essa construção luminosa junto ao mar.
Afora o fato de oferecer condições ideais para velejar, a área é estratégica para os chamados “downwinds”, como são conhecidas as práticas de velejar, geralmente em duplas ou em grupos, de um ponto ao outro da costa, acompanhados por uma equipe de apoio.
Fernandes diz que já teve alunos dos 8 aos 75 anos. O curso oferecido por ele consome em torno de dez horas, com preços a partir de R$ 370 a hora. Mesmo quem nunca praticou, conta o instrutor, consegue durante esse período aprender lições básicas de controle do kite e de segurança, suficientes para dar os primeiros passos sobre a prancha.
Em uma linguagem bem praieira, podemos dizer que, enquanto boa parte do Brasil vai estar sacando do guarda-roupa casacos, echarpes e moletons, a depender das maluquices climáticas, em Camocim, não tenha dúvida, vai dar praia… em julho.
Os deslocamentos entre um areal e outro são feitos em bugues ou em veículos de tração nas quatro rodas. Ao contrário da parte leste da costa cearense, sentido Rio Grande do Norte, no lado oeste, rumo ao Piauí, ainda há longos trechos de praia verdadeiramente ermos.
O bugueiro Jeimisom Oliveira da Costa, de 33 anos, 8 deles como condutor de trilhas, conhecido como Neguinho, faz uma parada em trechos remotos nos quais o único sinal de vida vem de uma jangada que parece flutuar nas águas do Atlântico. Esse tipo de embarcação, que também se move graças à força do vento, é bastante comum em praias como Nova e Formosa.
Para quem busca, de fato, desconectar-se de tudo e mergulhar numa área praticamente exclusiva, onde nem pega celular, a dica é não desanimar durante o trajeto de quase três horas de contemplação que leva até a praia da Barra dos Remédios.
O nome já é um indicativo de que ali se pode encontrar a cura dos males modernos. É um tipo de refúgio intocado, perfeito para relaxar. Com suas águas de temperatura agradável e tons esverdeados, ao lado de dunas, a praia separa os municípios de Camocim e Barroquinha. A travessia é feita por balseiros. Sem pressa, no timing perfeito para curtir a paisagem. Só cabe um bugue por vez.
Já em território vizinho, em Barroquinha, a praia das Curimãs é uma pacata vila de pescadores, rodeada por dunas e praticamente deserta, à qual o mar chega com aquela temperatura que só o Nordeste sabe oferecer.
Curimãs esconde outro achado: o Brilho do Mar, bistrô do francês François Bourhis. O espaço convida o forasteiro a provar o filé de robalo assado no forno, com crosta de castanha de caju, purê de abóbora, vinagrete de maracujá e arroz branco (R$ 72).
Na alta temporada, que começa em julho, o Brilho do Mar funciona todos os dias da semana, exceto às quintas. Fica aproximadamente a 40 minutos do Maceió, vindo pela praia. Para relaxar depois do almoço, vale a pena subir até a singela sacada do piso superior, pedir um drinque e apreciar o refrescante entardecer.
O restaurante de cara para as Curimãs de fato se destaca entre as raras opções gastronômicas daquelas bandas. Enquanto a rede hoteleira em Camocim é generosa, com boas opções para todos os gostos e bolsos, ainda falta um bom lugar para comer. Geralmente, os melhores restaurantes ficam nos próprios hotéis e oferecem, com raras exceções, atendimento exclusivo aos hóspedes.
Uma boa pedida é o “glamping” Baía das Caraúbas (“glamping” é a junção de “glamour” e “camping”, ou seja, é uma combinação certa para quem gosta de estar em contato com a natureza sem abrir mão do conforto e da boa mesa). Pé na areia, o espaço tem sete bangalôs erguidos sobre palafitas de madeira e palha, em meio ao coqueiral, com diárias a partir de R$ 900 (casal com café da manhã), numa praia praticamente deserta. Serve um divino espaguete com lagosta por R$ 120.
Para quem busca algo mais conectado à cidade, a dica é o hotel-boutique Casa de São José, localizado na parte histórica do município, onde hoje vivem cerca de 65 mil moradores. Ocupa um casarão colonial, em cujo centro um jardim tropical, com bananeiras, sapotis e seriguelas, é rodeado por uma piscina. São quatro suítes e seis chalés, todos eles com área externa privativa e diárias a partir de R$ 570 (casal com café da manhã).
Dos dois hotéis há acesso para aquela que é considerada uma das estradas litorâneas mais bonitas do Nordeste, um trecho de asfalto que liga a parte urbana de Camocim à praia do Maceió, trajeto aproximado de 15 km, onde há uma ampla estrutura de barracas e restaurantes em frente ao mar —sem destaque para os cardápios.
Em determinado trecho da rodovia, somos acompanhados pelo mar, no lado direito, e pelas dunas, no esquerdo. Ao fundo, um parque eólico. Maceió, a praia, costuma ter temperatura e maré agradáveis para banho. É daquelas tipo família. No entanto, cabe aqui um lembrete: essa parada pode ficar ainda mais especial caso não ocorra em feriados ou nos fins de semana.
A depender da época do ano, pode haver piscinas naturais formadas entre a faixa de areia e o mar. Como se trata de uma rústica vila de pescadores, é comum o vaivém de embarcações.
É em seus arredores, todavia, que o entardecer pode deixar a viagem ainda mais especial. Nas dunas do Maceió, elevações de areia formadas pela ação do vento ora desembocam em praias desertas, ora seguem por trilhas que alcançam lagoas de água doce. Todos os ambientes ali são abraçados pelas dunas, que dominam o cenário.
Entre trancos e barrancos, com possibilidade de ficar atolado em algum ponto, o bugue sobe e desce trilhas de areia. Percorremos áreas de lazer ao longo do lago das Cangalhas, seguimos por caminhos que parecem perdidos no tempo, encaramos outras subidas que culminam em uma parada deslumbrante, de cara para a imensidão do oceano.
Quem gosta de tomar banho de mar como veio ao mundo pode deliciar-se com a abundância de praias desertas, propícias para essa imersão. O truque é tirar a sunga ou o biquíni dentro da água, quiçá montar uma “cabaninha” de canga. O bugueiro certamente não vai nem perceber a travessura –o mais provável é que esteja curtindo um forrózinho baixado no celular ou tirando uma soneca, embalado pelo movimento das marés e pelo assobio incessante dos ventos.
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