Estava terminando de escrever meu romance quando vi a notícia: aconteceram 10.046 casos de banimentos de livros, ao todo, em escolas dos Estados Unidos, mais de 4.000 só neste último ano letivo. Entre as obras: “O Olho Mais Azul”, “O Retrato de Dorian Gray” e “Cem Anos de Solidão”.
Tentei imaginar que elementos, nesses e em outros livros que conheço tão bem, podem ter levantado as orelhas dos censores, já pensando na minha escrita e nas sombras que vêm se projetando sobre a literatura e a liberdade artística nos anos recentes, em várias partes do mundo.
Censurar obras artísticas não é novidade na atribulada história humana, mas confesso que não esperava que isso voltasse à pauta com tanta força nessa geração. Quanta inocência da minha parte —e como voltou. Em maior ou menor grau, assistimos a vetos nos Estados Unidos, na Turquia, na Rússia e até algumas tentativas no Brasil.
No começo deste ano, “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, foi recolhido de escolas no Paraná, em Goiás e em Mato Grosso do Sul. A leitura de uma cena erótica gay na Flip incomodou gestores de um prêmio de literatura, culminando com o rompimento da relação com a editora.
O escritor nova-iorquino Robert Jones Jr. diz ter ficado radiante ao saber do banimento de seu livro nos Estados Unidos: “isso me pôs na mesma categoria que Toni Morrison e James Baldwin“. Mas depois diz que sentiu tristeza ao perceber que isso também privaria garotos de serem amparados por sua narrativa.
Ainda que o autor nova-iorquino tenha tentado achar alguma graça no episódio, não há nada de positivo no banimento de um livro. Além de prejudicar os leitores, a censura também prejudica a outra ponta dessa relação: os autores.
Não é fácil viver como artista. O rendimento dos escritores vem da venda dos livros e das participações em eventos que fazem para divulgá-los. Ainda que o banimento possa instigar a curiosidade por um ou outro título e impulsionar pontualmente suas vendas em livrarias, há prejuízo.
Sempre há prejuízo onde há censura. Não só no bolso, mas na subjetividade do escritor, no impacto que tudo isso tem na sua produção artística. Haja força de vontade para se dedicar a uma obra que, às vezes, demora anos para ser escrita, sem garantia alguma de êxito.
Nessa jornada, já tomada por tanta insegurança, o medo de ter o produto final banido em escolas, concursos ou bibliotecas faz alguns autores pensarem com outros olhos naquilo que vão escrever.
É mais uma sombra nefasta da censura: aquela que se projeta do peito para dentro, ressecando o terreno fértil da criação e impedindo que certos livros venham a existir ou que existam da forma como deveriam.
Se alguns autores experientes já vêm se sentindo intimidados, imagine os iniciantes, que ainda estão tentando um primeiro lugar ao sol nas prateleiras.
Conheço escritores novatos que mexeram em seus manuscritos com receio de que tal ou tal abordagem pudesse impedi-los de prosperar em concursos. Às vezes, o resultado dessa auto-censura é o que separa uma obra mediana de uma obra brilhante, justamente aquela que um dia seria lida por milhares de pessoas.
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