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Comer menos carne é recado do relatório global – 03/10/2025 – Comida


O recado continua sendo o mesmo: comer menos carne. É o que reforça a mais recente versão de um relatório de referência sobre dieta saudável e sustentável.

Há alguns anos, um grupo de cientistas e especialistas em nutrição apresentou um plano alimentar global que ninguém imaginava desencadear um dos debates mais acalorados sobre comida em tempos recentes. A recomendação central parecia inofensiva: para que um planeta cada vez mais populoso possa prosperar, países ricos deveriam consumir menos carne e mais alimentos de origem vegetal.

Logo após a publicação, porém, o relatório da Comissão EAT-Lancet tornou-se alvo de ataques. Os autores receberam ameaças, foram acusados de elitismo e passaram a ser criticados em campanhas nas redes sociais impulsionadas pela indústria da carne. Alguns formuladores de políticas abraçaram as recomendações, enquanto outros, especialmente nos Estados Unidos, descartaram a proposta como uma tentativa “progressista” de tirar a carne do prato das pessoas.

Agora, a segunda rodada desse debate chega com dados novos e contribuições de especialistas de mais de 30 países. O documento, divulgado nesta sexta-feira (3), mantém essencialmente o mesmo conselho: coma menos carne e mais feijões, castanhas e vegetais — especialmente nos países ricos. Segundo a comissão, essa mudança poderia evitar cerca de 15 milhões de mortes prematuras por ano e reduzir em 15% as emissões agrícolas.

“Melhorando a dieta, também melhoramos o meio ambiente”, afirma Walter Willett, professor de epidemiologia e nutrição em Harvard e copresidente da comissão. “A urgência só aumentou desde a última vez.”

O sistema alimentar é responsável por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa, impulsionado principalmente pela pecuária, grande fonte de metano e pesada consumidora de terras e recursos hídricos. Mesmo que o mundo abandone os combustíveis fósseis, só a produção de alimentos poderá empurrar as temperaturas para além do limite de 1,5°C para conter o aquecimento. O peso recai de forma desproporcional sobre os mais ricos: os 30% mais abastados do planeta respondem por mais de 70% da pressão gerada pela produção de alimentos, segundo o relatório.

A chamada dieta da saúde planetária se assemelha à dieta mediterrânea e a outras tradições alimentares, com recomendações apresentadas em faixas para permitir flexibilidade. O objetivo não é promover o veganismo, mas defender que alimentos de origem animal sejam opcionais, moderados e guiados pelo princípio “1+1”: uma porção de laticínios e uma de proteína animal por dia. “Isso permite diversidade cultural e preferência individual”, diz Willett.

As maiores mudanças atingem a indústria de carne e laticínios. A produção de carne bovina, caprina e ovina precisa cair um terço entre 2020 e 2050. O rebanho global de ruminantes teria de ser reduzido em cerca de 25%. Ainda assim, o relatório enfatiza que mudanças na dieta não bastam: é preciso também reduzir o desperdício de alimentos e aumentar a produtividade agrícola.

O relatório atualizado — apelidado de EAT-Lancet 2.0 — foi elaborado por um painel de especialistas em pecuária, economia, nutrição e clima. Passou por revisão por pares e recebeu financiamento da Fundação Rockefeller e da Fundação Novo Nordisk.

A primeira versão, publicada em 2019, foi amplamente citada em mais de 600 documentos de políticas públicas. Cidades como Milão, Londres e Tóquio se comprometeram a alinhar a alimentação fornecida pelo setor público às recomendações. Formuladores de políticas viam o texto como referência para integrar sustentabilidade a guias alimentares.

No entanto, a implementação foi limitada. O consumo mundial de carne continua a crescer e as vendas de proteínas alternativas estão em queda. A pandemia, a invasão da Ucrânia pela Rússia e a alta nos preços reduziram o apetite político e do consumidor por sustentabilidade. Ao mesmo tempo, o clima político mudou com o avanço do populismo de direita. A popularidade da dieta carnívora foi impulsionada pelo chamado machoesfera e pelo machismo influenciado pelo movimento MAGA (Make America Great Again).

“O poder político do setor pecuário, somado a esse populismo de direita do tipo ‘ninguém vai me dizer que não posso comer carne’, fez do EAT-Lancet um alvo apetitoso para o que hoje chamamos de agenda anti-progressista”, afirma Tim Benton, professor da Universidade de Leeds e especialista em segurança alimentar.

Para alguns dos principais nomes por trás do relatório, a reação negativa foi pessoal. Gunhild Stordalen, médica que cofundou a Fundação EAT e coordenou o financiamento do estudo, foi retratada online como parte da “elite de Davos”. Uma investigação revelou evidências de esforços orquestrados para desacreditar a pesquisa. Postagens críticas nas redes sociais, amplificadas por “desinfluenciadores” ligados à indústria da carne, usaram a hashtag #yes2meat (sim à carne), segundo a ONG Changing Markets Foundation, que alertou na semana passada para uma nova campanha contra a atualização.

O novo relatório procura responder a críticas anteriores, como a acusação de foco excessivamente ocidental, desconsiderando dietas locais e questões de custo. Agora, a ênfase recai sobre sistemas alimentares “justos”: quase metade da população mundial não tem acesso a dietas saudáveis e acessíveis, salários justos e ambientes seguros.

A comissão afirma que, enquanto o Norte Global precisa cortar drasticamente o consumo de proteína animal, partes do Sul Global talvez precisem aumentá-lo para combater a desnutrição —mas sem chegar aos níveis vistos nos países ricos.

Para viabilizar essas mudanças, o documento defende novas políticas, desde reformas de subsídios até a implementação de impostos, para garantir que alimentos saudáveis sejam acessíveis. Stordalen disse que a comissão levará o relatório atualizado a uma espécie de “turnê mundial” para mostrar seu impacto em diferentes regiões e culturas. Também irá promover diálogos envolvendo desde agricultores e chefs até consumidores e médicos.

“Estamos reunindo todos os atores para ter conversas —conversas corajosas— e realmente tentar mudar mentalidades”, afirma.



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