Ao que tudo indica, Lula se recuperou bem do problema de saúde que teve semana passada. É um alívio gigante.
Entretanto, episódios como esse tornam evidente um fato incontornável: em algum momento dos próximos anos, Lula vai se aposentar. Vai preferir passar seus últimos anos ouvindo o choro dos bisnetos ao invés do choro do centrão.
O Partido dos Trabalhadores não está bem posicionado para sobreviver sem Lula no jogo.
Durante as presidências petistas, o PT se esforçou para puxar o governo para a esquerda. Fazia todo sentido: o PT sempre governou com alianças amplas, com ministros de centro e de direita, negociando com um Congresso que sempre foi direitista. Diante desse quadro, os petistas se esforçavam para não deixar que a identidade progressista do governo fosse inteiramente apagada. Nem sempre foi fácil, mas no geral o objetivo foi alcançado.
O lulismo sempre foi mais moderado que o petismo, sempre alcançou camadas mais amplas do eleitorado. Sem Lula, o PT terá que deixar de ser a ala esquerda do Lulismo para converter-se em herdeiro do lulismo como um todo.
Para isso, terá que tomar para si as tarefas que Lula desempenhou como fiador de grandes alianças. Terá que fazer os gestos para fora da bolha de esquerda que antes eram responsabilidade de Lula.
Não vai ser fácil. Mas alguma síntese entre o petismo e o lulismo será necessária se o partido quiser continuar vencendo eleições majoritárias.
Não sei como será essa síntese –cabe aos petistas e seu eleitorado encontrá-la– mas tenho uma sugestão: não enquadrar essa discussão nos termos “mais radicalismo vs. mais moderação”, ou “virada para o centro vs. retorno às bases”.
Essas alternativas não são tão claramente diferentes assim.
A alternativa “voltar às bases”, por exemplo, costuma ser associada à esquerda mais radical. Mas muitos militantes que estão voltando às bases estão tendo que lidar com fenômenos novos, como o empreendedorismo popular, a uberização, e outras coisas que exigem ideias novas. Na eleição passada, Guilherme Boulos, um dos grandes nomes da esquerda próxima aos movimentos sociais, fez uma campanha particularmente empenhada em conversar com essa nova classe trabalhadora.
Do outro lado, Fernando Haddad é provavelmente o principal nome do PT moderado no momento. Mas justamente porque está tentando colocar as contas públicas em dia, Haddad foi o primeiro ministro da Fazenda petista a comprar a briga da taxação dos ricos. Guido Mantega, que muitos colocariam à esquerda de Haddad, notabilizou-se por conceder isenções fiscais para grandes empresas.
Uma outra questão é saber se o PT conseguirá construir essa alternativa sozinho.
A reforma política de 2017 estabeleceu regras que já estão reduzindo o número de partidos brasileiros e criando grandes máquinas partidárias, quase todas de direita. Para o PT conseguir competir com esses partidos riquíssimos, é provável que precise organizar uma federação com outros partidos. Falei da ideia da federação de esquerda na coluna de 19 de outubro deste ano.
Uma coisa é certa: se a esquerda só começar a pensar no pós-Lula no dia seguinte à sua aposentadoria, há o risco real de não haver um partido de esquerda forte no Brasil por muitos anos.
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