O corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell, intimou o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Saldanha a se explicar sobre as falas que ele proferiu sobre autistas e seus familiares, em novembro, durante um evento promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Na ocasião, Saldanha se referiu a crianças com autismo como “filho que tem um problema” e mencionou a “tristeza que é a gente ter um parente com problemas cognitivos de desenvolvimento”.
Também fez comentários jocosos sobre uma das terapias mais usadas por autistas — a ABA — e sua vertente naturalística, que é realizada nos ambientes naturais da criança (em casa, na escola e em parques, entre outros locais). “Agora tem um tratamento natural, como é o nome mesmo, esqueci? Tratamento em ambiente natural. Não sei o que é isso, faz parte da ABA, acho que leva a pessoa para a floresta, sei lá, abraça a árvore, deve ser esse negócio”, arriscou o ministro à época.
O ministro foi além, e opinou sobre o custo desse tratamento para os planos de saúde — num contexto de cancelamentos, recusas e pressão, por parte das operadoras, envolvendo também o tratamento de autistas. Saldanha afirmou que “para os pais é uma tranquilidade, saber que seu filho que tem um problema vai ficar de seis a oito horas por dia numa clínica, com gente especializada, passeando na floresta, mas isso custa”.
Na decisão, o corregedor intimou Saldanha a “apresentar informações em 15 (quinze) dias, notadamente sobre o contexto das falas a si imputadas”, explicações que ainda não foram juntadas ao processo. Procurada, a assessoria de imprensa do STJ afirmou que procurou o gabinete, mas que Saldanha estava em viagem.
A manifestação do corregedor ocorreu após dois advogados entrarem, em separado, com pedidos de providências contra as falas de Saldanha. Um deles foi o advogado Bruno Silvestre, que é uma pessoa com deficiência e delegado da Diretoria da Pessoa com Deficiência da OAB-RJ.
Ao blog, Silvestre afirmou que sua motivação foi a dor causada pela fala de Saldanha. “Ser uma pessoa com deficiência e ouvir que tratamentos são como passeio na floresta, que pessoa com deficiência é pessoa com problema… Esse tipo de fala vai contra a minha própria existência e a de amigos e parentes, e filhos e filhas deles. Essa dor me fez tirar qualquer medo de represália por ir contra a fala de um ministro”.
“Atualmente os planos já estão sabotando os consumidores e principalmente as pessoas com TEA ou alguma deficiência”, continua o advogado. “A fala do ministro reforça o preconceito contra pessoas com deficiência, vistas como um ‘problema’ e ‘pessoas defeituosas’ que geram custo ao Estado e aos planos de saúde. Então, existe este reforço ao estigma social e um apoio às falas absurdas dos planos de saúde.”
Por fim, Silvestre teme o potencial impacto dessas opiniões em futuros julgamentos. “O ministro Saldanha é respeitado e sua fala influencia a opinião de outros ministros. Quando este tema chegar ao STJ, e vai chegar, é neste momento que o pensamento do ministro Saldanha será lembrado. Não se pode admitir esse tipo de fala capacitista, que não é uma opinião jurídica sobre um caso, mas uma fala sobre e contra pessoas com deficiência”, argumenta o advogado.
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