O “pacote de corte de gastos” do governo e a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 são duas coisas diferentes. O ministro Fernando Haddad sabe disso, assim como o presidente Lula e o seu partido. Mas fizeram questão de apresentar os projetos juntos para criar uma guerra de narrativas.
A estratégia não é nova. Embola-se o meio de campo, criando confusão, para, depois, chamar o árbitro e pedir falta. É quase infantil, mas tem funcionado.
Após o anúncio simultâneo, o dólar disparou e a Bolsa caiu. Os analistas apontaram insuficiência do pacote para conter gastos, mas o Partido dos Trabalhadores agarrou-se ao discurso de que “o mercado” não quer a isenção do IR para os mais pobres. Deixar o real na lona seria uma espécie de boicote ao bem do povo.
O BTG Pactual fez um levantamento interessante, mostrando qual o verdadeiro efeito esperado dos cortes apresentados. O governo anunciou impacto de R$ 71 bilhões em dois anos, entretanto o banco apontou, listando item a item, que o número final deve ficar em R$ 46 bilhões.
Enquanto os bancos faziam as contas, o site oficial do partido do governo (PT) apressou-se em publicar um texto atacando a “Faria Lima” e os “rentistas” pelas reações ao anúncio. Ao combater um inimigo invisível, o partido do governo tenta se isentar de não ter apresentado um projeto (debatido há meses) com uma solução para o problema que aí está.
É curioso e preocupante ver o governo atacar os gestores de fundos (Faria Lima) e investidores (pejorativamente chamados de rentistas) quando deve R$ 1,47 trilhão para eles. Hoje, 21,5% dos títulos públicos federais estão nas mãos de fundos de investimento.
Chama a atenção, aliás, como o volume captado pelo governo com a emissão de títulos públicos aumentou nos últimos dez anos, enquanto a participação dos estrangeiros diminuiu. Em dezembro de 2014, o estoque de títulos era de R$ 2,1 trilhões, hoje, é de R$ 6,6 trilhões. A fim de comparação, corrigindo o valor de dez anos atrás pela inflação (IPCA), chegaríamos a R$ 4,3 trilhões).
A participação dos gringos era de 18,6%, hoje, é de 10%, enquanto os fundos de investimento foram de 20,28% para os atuais 21,5%. As maiores fatias ainda ficam com a Previdência e com as instituições financeiras, mas os dados mostram como a importância da “Faria Lima” na dívida pública aumentou.
Só o futuro dirá quem acertou a continha sobre os efeitos reais dos cortes, mas convém lembrar que a realidade se impõe e que o mercado e os investidores já estão aí, com títulos do Tesouro em mãos.
Quem faz do Brasil um paraíso para os “rentistas” são governos que preferem criar caos do que oferecer soluções, incapazes de controlar o aumento dos preços, forçando as taxas de juros a ficarem nas alturas. É isso que torna empreender um inferno, ao mesmo tempo em que deixar o dinheiro parado, emprestando-o para o Tesouro, continua pagando gordos retornos.
O governo e seus ministros poderiam ter apresentado as duas propostas em dias diferentes, mas embolaram os fios. Como não se pode voltar a história para separar as hipóteses, transformaram tudo em guerra de narrativas. Incapazes de enfrentar a realidade, optaram por levar o caso para a ficção.
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