É verão na Escócia, e estou num supermercado da capital em busca das guloseimas locais, como os biscoitinhos de manteiga (“shortbread”) que derretem na boca. Aproveito também para comprar um guarda-chuva e um par de meias novas, estampadas de tartan escocês vermelho.
Edimburgo não é um destino típico de verão. A temperatura raramente passa dos 20 graus. O inverno é também ameno para a região. O termômetro costuma se manter acima do zero e neva pouco. Mas raro mesmo é o turista que nunca pegou chuva, seja lá a época do ano.
Os dias acinzentados são perfeitos para entender a melancolia das bandas da minha juventude, como Belle and Sebastian e Teenage Fanclub. E aquela névoa da manhã que insiste em não ir embora combina perfeitamente com as ruas de arquitetura medieval e monumentos góticos da Cidade Velha.
É por essas vielas de pedra que caminho para chegar até o Castelo de Edimburgo, que se impõe soberano no topo de uma colina rochosa. É um bom ponto de partida para entender a história tumultuada da cidade e do país.
O complexo remonta a tempos pré-históricos e às guerras de independência escocesas contra os ingleses, numa sucessão de invasões, cercos e destruição. Guarda também relíquias, como as joias mais antigas da realeza britânica (uma coroa, um cetro e uma espada), usadas na coroação de Maria, rainha dos escoceses, em 1543.
Personalidade trágica, a rainha deu à luz seu único filho num pequeno quarto do palácio do castelo, que podemos ver por uma porta, mas não entrar. O filho, James 6º, herdou o trono inglês em 1603, unificando as coroas da Escócia e da Inglaterra, 16 anos depois de a mãe ter sido decapitada por ordens da prima, a rainha Elizabeth 1ª.
De volta ao mundo contemporâneo, há mais curiosidades reais para explorar em Edimburgo, como o Royal Yacht Britannia, o antigo iate aposentado da rainha Elizabeth 2ª, atracado no porto da cidade. Ou o palácio de Holyroodhouse, residência oficial da monarquia britânica na Escócia (e palco do assassinato brutal do secretário pessoal de Maria).
Foi da Holyroodhouse, em 2022, que saiu o caixão da rainha Elizabeth 2ª numa procissão pela avenida Royal Mile até a Catedral de St. Giles, antes do descanso final, na capela do castelo de Windsor, perto de Londres.
A monarca, que tinha a tradição de ouvir um tocador de gaita de foles todas as manhãs, morreu aos 96 anos no castelo de Balmoral, a 165 km ao norte de Edimburgo. Ela gostava de passar as férias de verão por lá, na tranquilidade das Highlands escocesas.
Mas na própria capital é possível explorar a natureza que deslumbrou reis e rainhas. Numa tarde nublada de agosto, participei de um tour gratuito pelo Arthur’s Seat, um vulcão extinto que é a principal colina do Holyrood Park, no mesmo complexo da Holyroodhouse.
Das oito pessoas inscritas no programa, organizado pelo serviço de guardas florestais, apenas quatro toparam seguir debaixo de uma garoa. De guarda-chuva ou capa de chuva, caminhamos longe de lamaçais, admirando eventuais campos de flores roxas, como a espinhenta flor de cardo (“thistle”), símbolo do país. A chuva chegou a apertar antes de parar totalmente, abrindo um dia lindo de sol para aproveitarmos as vistas para a cidade.
Outro passeio bucólico é pelas margens do rio de Edimburgo que desemboca no porto de Leith, onde ficam o iate real e uma destilaria. O caminho passa escondido do burburinho urbano, atravessando bairros hipsters como Stockbridge e Canonmills, em miniflorestas que podem surpreender com garças, lontras e martim-pescadores. E se você avistar um homem no meio das águas, provavelmente é uma das seis esculturas do artista Antony Gormley.
De volta às ruas de Edimburgo, não faltam refúgios para os dias molhados e ainda assim mergulhar na cultura local. Em agosto, a cidade funciona ao redor do festival Fringe, com bares, teatros e até salas de escritórios abertos para receber comediantes e peças do mundo todo. É comum ver os próprios artistas distribuindo panfletos de seus shows nas ruas, e entrar num pubs para ver stand-ups de grátis (gorjetas são pedidas ao final).
Os museus Royal Scottish Academy e National Galleries of Scotland têm entrada gratuita e ficam lado a lado, perto do Scott Monument, uma torre gótica imponente em homenagem ao escritor Sir Walter Scott (autor de “Ivanhoé”, de 1819, que ajudou a popularizar o mito de Robin Hood).
Na mesma rua, a Princes street, também não custa nada entrar na loja gigante da Johnnie Walker, que vende uma imensidão de variedade de uísques, incluindo garrafas envelhecidas por 20 mil libras, além de casacos, chaveiros e garrafinhas de água.
A loja oferece experiências de degustação que variam de 30 a 450 libras, esta última com almoço e visita à Glenkinchie Distillery, uma das fábricas da marca.
Para quem procura comida e bebida sem quebrar a banca, meu pub favorito era qualquer um da franquia JD Wetherspoon. A unidade Caley Picture House fica dentro de um cinema art déco desativado, enquanto a unidade Alexander Graham Bell fica perto da casa onde nasceu o inventor do telefone.
Além dos preços imbatíveis, não é preciso sofrer com o inglês escocês, nem esperar muito por sua “pint”. Dá para pedir tudo e pagar pelo aplicativo. Os menus são meio engordurados, mas há refil gratuito de café, chá e chocolate quente.
O melhor de tudo é a sobremesa Millionaire’s Shortbread, por apenas 2,46 libras: duas bolas de sorvete com caldas de chocolate e caramelo, coroadas pelo delicioso biscoitinho que derrete na boca.
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