Para formar os melhores pilotos, a Escola de Armas de Caças da Marinha, mais conhecida como Top Gun, submete-os a uma prova de manobras aéreas intensas. Mas, por trás das façanhas heróicas de alta velocidade pelas quais a escola é famosa, a Marinha está preocupada com eventuais lesões cerebrais que o voo extremo pode estar causando.
Nos últimos meses, a Marinha iniciou discretamente um projeto confidencial, com o codinome Olho de Odin, para investigar a hipótese. O esforço coletará cerca de 1.500 pontos de dados sobre a função cerebral de cada piloto do Top Gun que voa no caça F/A-18 Super Hornet, segundo mensagens da equipe do projeto. O objetivo seria entender a extensão do problema e identificar pilotos que estão feridos.
Alguns pilotos afirmam que o esforço já deveria ter sido feito há muito tempo. Em entrevistas, mais de uma dúzia de membros atuais e antigos da tripulação de caças da Marinha disseram que anos de lançamentos e manobras de alta velocidade que esmagam o corpo podem ter um impacto cumulativo. No final de suas carreiras, disseram, alguns dos melhores em desempenho tornam-se confusos, erráticos e consumidos por ansiedade e depressão.
Segundo os pilotos, os sintomas são rotineiramente descartados como problemas de saúde mental não relacionados com a profissão. Além disso, afirmam, eles muitas vezes escondem os sintomas para continuar voando.
Outros, no entanto, sucumbem aos sintomas. Nos últimos 18 meses, três pilotos experientes do Super Hornet morreram por suicídio. Segundo suas famílias, todos apresentavam sintomas consistentes com lesões cerebrais.
Oficialmente, a Marinha nega que haja problemas. Em declaração ao jornal americano The New York Times, um porta-voz médico da Força disse não ter dados ou pesquisas “para provar qualquer relação entre lesões concussivas e decolagens/pousos em porta-aviões ou manobras de combate rotineiras”.
Mesmo assim, há anos a Marinha envia discretamente pilotos para clínicas civis de lesões cerebrais e financia pesquisas que sugerem a ocorrência de lesões no cérebro em decorrência das condições que as tripulações experimentam nas cabines dos jatos.
O Projeto Olho de Odin foi criado este ano para procurar lesões cerebrais em Seals, a principal força de operações especiais da Marinha americana. Ele se expandiu em novembro para incluir aviadores Top Gun, de acordo com mensagens do projeto vistas pelo Times.
Para atender rapidamente a uma necessidade urgente, o projeto começou sem aprovação formal dos Comandos Médicos e Aéreos da Marinha, segundo um funcionário da Marinha que pediu para não ser identificado. O comando superior da Marinha pode ainda não estar ciente disso, disse ele.
Um porta-voz do Comando Naval de Operações Especiais da Marinha confirmou a existência do programa.
Durante anos, a Marinha estudou quanto de força um piloto pode tolerar em um voo, geralmente sustentando que lesões cerebrais ocorrem apenas quando algo dá errado. A Força, no entanto, tem prestado pouca atenção aos efeitos cumulativos dos centenas de voos que ocorrem ao longo de uma carreira, e evidências têm se acumulado em todo o Exército de que a exposição repetida a operações rotineiras pode danificar células cerebrais, mesmo que as operações ocorram corretamente.
A maior parte da preocupação tem se concentrado em tropas terrestres, como equipes de artilharia e morteiros, instrutores de granadas e SEALs, que são frequentemente expostos a ondas de explosão. Se as tripulações de caça enfrentam o mesmo risco, isso pode ter vastas implicações devido aos enormes investimentos da Marinha em porta-aviões e jatos de alto desempenho.
O nome Olho de Odin refere-se a uma lenda nórdica sobre um deus que sacrifica um olho para ganhar conhecimento. Ainda não está claro se o projeto encontrará lesões generalizadas nos cérebros dos pilotos. Ainda assim, o fato de a Marinha estar investigando isso agora mostra que a Força está preocupada com o risco.
“Ninguém está falando sobre isso, mas este é um grande problema”, diz a doutora Kristin Barnes, que voou em um precursor do Super Hornet, o F-14 Tomcat, como oficial de interceptação de radar por 22 anos, antes de se tornar médica. “Quando você decola do porta-aviões, você acelera de zero a quase 322 quilômetros por hora em dois segundos, e seu cérebro é pressionado para a parte de trás do seu crânio. Você pode se curar disso uma vez —você pode se curar disso 10 vezes. Mas eu fiz isso 750 vezes.”
O cérebro humano tem uma consistência semelhante à de uma gelatina e contém 100 bilhões de neurônios conectados por fios biológicos tão delicados que 150 deles poderiam caber em um único fio de cabelo humano. Força suficiente passando pelo cérebro pode causar o rompimento dessas conexões.
O cérebro pode compensar, às vezes por anos, redirecionando sinais através de conexões saudáveis. Mas médicos e cientistas que estudaram lesões repetitivas na cabeça dizem que o dano pode se acumular, e se rotas suficientes se tornarem bloqueadas, funções normais podem sair do curso.
Após uma década em sua carreira, Barnes começou a se perguntar por que estava tendo tantos problemas. Ela se tornou sensível ao ruído e à luz, e desenvolveu vertigem e palpitações cardíacas — todos sintomas potenciais de lesão cerebral.
Quando se aposentou, em 2015, ela estava se distraindo no trabalho e esquecendo conversas inteiras. Ela sempre foi uma aluna de destaque, mas quase foi reprovada na faculdade de medicina. Foi anos depois que um médico civil lhe disse que ela provavelmente tinha uma lesão cerebral.
“Por muito tempo, pensei que eu era o problema”, disse Barnes, 55. “Nunca me ocorreu que voar poderia fazer isso comigo.”
Em combates aéreos, um jato desvia e mergulha a mais de 800 quilômetros por hora, enviando o tecido cerebral em uma montanha-russa extrema que pode romper conexões entre células, disseram vários neurologistas. Ao mesmo tempo, a força das curvas drena o sangue da cabeça, potencialmente privando o cérebro de oxigênio.
Há poucos estudos disponíveis publicamente sobre os efeitos neurológicos de voar em jatos de combate. Dois dos mais recentes descobriram que os pilotos tinham função cerebral diminuída em comparação com grupos de controle.
Essas descobertas correspondem ao que alguns médicos que se especializam em lesões cerebrais dizem ter visto em pilotos.
Russell Gore foi um cirurgião de voo da Força Aérea antes de se tornar neurologista civil. Em 2019, a Marinha enviou-lhe meia dúzia de pilotos de caça que estavam enfrentando problemas de memória, pensamento nublado e ansiedade. Para ele, eles se assemelhavam a veteranos que ele havia tratado que foram repetidamente expostos a explosões. Ele levou suas preocupações à Marinha em 2020.
Um médico do Departamento de Assuntos de Veteranos que tratou vários pilotos em 2021 chegou a uma conclusão semelhante.
Em uma declaração, a Marinha disse que fatores além do voo podem causar lesões cerebrais em pilotos e que “nenhuma conclusão geral pode ser tirada”.
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