Gabriel Galípolo assinou, nesta segunda à tarde (30), a declaração de posse na presidência do Banco Central (BC). No dia 1°, ele assume a autarquia em substituição a Roberto Campos Neto, que estava no cargo desde 2019.
Há muito ceticismo no ar com a chegada de Galípolo no cargo: a percepção de risco é cada vez maior, diante de um cenário de uma economia sobreaquecida, expectativas de inflação cada vez maiores e de descontrole nas contas públicas.
“O desafio de Galipolo é imenso: a inflação está acima do teto da meta, num contexto de economia crescendo acima de seu potencial diante de forte impulso fiscal. A maior percepção de risco, diante das preocupações com os rumos da política econômica nos dois últimos anos de mandato, gerou desancoragem das expectativas e forte depreciação cambial. Assim, a política monetária tem que ser, como está sendo, bastante reativa no sentido de buscar a retomada do controle”, diz Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria.
Nesse cenário, o dólar acabou disparando e acumulou uma alta de 27% frente ao real no ano. Somente em dezembro foram feitas nove intervenções no câmbio que consumiram perto de 5% das reservas internacionais. Foi a quarta maior venda proporcional em um único mês da história do regime de câmbio flutuante.
Tudo isso num cenário de crise de confiança na convicção do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o equilíbrio das contas públicas. Até agora, apenas um insuficiente pacote de corte de gastos foi aprovado pelo Congresso, no limiar do recesso legislativo.
Nos doze meses encerrados em novembro, o déficit primário do setor público consolidado – que reúne os governos federal, estadual e municipal e as empresas estatais foi de 1,65% do PIB.
Galípolo ainda precisa provar para que veio
Para o economista da Tendências, o principal desafio do novo presidente do BC será convencer os agentes de que irá atuar de forma realmente independente. A tentativa de Lula e da equipe econômica em dirimir as desconfianças em relação ao novo comando do BC por meio de uma mensagem no final do ano, não foi bem-sucedida.
Na gravação, ao lado de Galípolo, o presidente se disse convicto da necessidade da estabilidade econômica e do combate à inflação, afirmando que ele “será o presidente com mais autonomia que o Banco Central já teve”.
O sócio da Tendências diz que, além de não convencer o mercado, a atitude “desnecessária” comprometeu Galípolo.
“Quando o presidente do Banco Central aceita participar deste tipo de ato, ele acaba por legitimar essa situação absolutamente descabida de que a liberdade de atuação da autoridade monetária depende de uma autorização prévia do chefe do Executivo”, diz Campos Neto, da Tendências.
Mercado financeiro ainda está cético
Embora a última ata do Comitê de Política Monetária (Copom) tenha pretendido um choque de credibilidade anunciando novos aumentos de 1 ponto percentual (pp) nas duas próximas reuniões, a tensão ainda é persistente.
Juliana Inhasz, economista do Insper, destaca que, sobre o novo comandante do BC, pesam ainda desconfianças de falas heterodoxas e polêmicas ao longo de sua trajetória no mercado financeiro. “Ele terá de provar que, de fato, ele é técnico”, diz. “E depois, administrar uma situação complicada por conta do desajuste fiscal, que vai exigir novos aumentos da taxa de juros.”
Outro fator alimenta a crise de confiança. Com as substituições promovidas em 2024, sete dos nove diretores do BC terão sido nomeados pelo presidente Lula.
Também é certo que a pressão do Partido dos Trabalhadores pela redução da taxa de juros vai continuar. Ao lado de Lula, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, passou os últimos dois anos criticando o então presidente Roberto Campos Neto pela condução da política monetária.
Nas últimas reuniões de 2024, quando o Copom aprovou em decisões unânimes o aumento das taxas de juros, demonstrando o alinhamento entre Galípolo e Campos Neto, a reação foi um sonoro silêncio.
Caso as pressões se intensifiquem, o cenário se torna ainda mais desafiador para Galípolo. “O resultado será mais nervosismo e dólar mais alto”, diz o sócio da Tendências.
Populismo pode gerar dominância fiscal
O temor do mercado é que as pressões sobre Galípolo aumentem por conta da previsão de redução de crescimento, já que os juros altos visam exatamente desaquecer a economia para frear a inflação.
Projeções de mercado e do próprio BC apontam para a retração do ritmo de crescimento da economia em 2025. A mediana das expectativas do boletim Focus – que coleta cálculos de dezenas de instituições – projeta alta de 2% em 2025, contra 3,5% em 2024. Para 2026, o crescimento do PIB esperado pelo banco Bradesco é de apenas 1%.
Ao mesmo tempo, o risco é que o Executivo lance mão de políticas ainda mais expansionistas que aprofundem o déficit fiscal. Neste caso, os economistas alertam para o risco da dominância fiscal, situação em que o Banco Central (BC) perde a capacidade de conter inflação por meio da política monetária.
Ou seja, mesmo com fortes e frequentes aumentos da taxa de juros, a Autoridade Monetária não consegue conter a demanda interna e a aceleração dos preços, com reflexos no câmbio e nas contas públicas.
Num cenário de tantas incertezas, o foco do governo Lula deveria ser no ajuste fiscal, diz Sílvio Campos Neto. “Boa parte do problema, seja no sobreaquecimento da demanda, seja na maior percepção de risco, tem origem no forte aumento de gastos promovido e defendido pelo governo.”
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