Talvez tenha sido a sorte de ter vivido a trifeta de Carnaval: Recife, Beagá, Sampa! Ou talvez a minha simples disposição de tudo observar e me divertir —já que pela primeira vez em anos eu não estava trabalhando durante a festa.
Sábado passado, exausto em casa, depois do fechamento da folia deste ano com a indescritível catarse da passagem do Navio Pirata do BaianaSystem pelo Ibirapuera, eu finalmente captei o sentido do Carnaval.
A maior festa do Brasil, uma das nossas maiores atrações turísticas, não é exatamente sobre a farra que ela inspira. Tampouco, me parece, é sobre a música, elemento importantíssimo, mas acessório. Também me dei conta de que o Carnaval não é sobre a liberdade, ou ainda, sobre a libertinagem. Tudo pode, diz a tradição, nessa véspera de Quaresma. Antes dos dias pios, a profanação, é claro.
E ela vem! Mas antes vem o que então concluí ser a verdadeira essência do Carnaval. Porque nenhuma transgressão seria sequer possível se a festa não tivesse esse vasto e diverso festival de corpos.
Peço já licença —e presto homenagens— às rainhas esculturais da Sapucaí. Semanas antes dos desfiles, o Brasil acompanha feliz o desnudar de seus contornos. E quando eles finalmente se apresentam à frente das respectivas baterias, o gozo é ao mesmo tempo esperado e surpreendente.
Essas beldades, porém, contam apenas uma parte pequena do show de silhuetas pelo país. Das ladeiras de Olinda ao centro de Belo Horizonte, vi e celebrei uma variada cornucópia de carnes e peles e rostos e cabeleiras que, sem temor de cancelamento, celebram a mais pura autoestima e declaram: estamos disponíveis! “Eu também!”, vem logo a resposta.
Falo de outras belezas ou da verdadeira beleza. Das pernas que perfuram as meias-arrastão. Das costas que fecham um quarteirão. De peitos e tórax pequenos, grandes, saltitantes. De ventres exuberantes. De gente que me chama.
Quis dançar em meio a braços finos e fortes, flácidos e grandes. Ser envolvido por coxas largas, marcadas de vacinas, desenhadas por Michelangelo, lisas como a seda, suadas e com inesperadas trilhas de pelos.
Quis virilhas marcadas pelo látex, incontidas pela lycra. Ombros infinitos, sovacos férteis, pescoços sinuosos e papados. Olhos de todos os matizes, bocas de Salvador Dalí, bochechas com duas, três camadas de purpurina. E aí tem os cabelos.
Cilindros de espessura fina, como canta Gal, expostos em múltiplas abundâncias, incontáveis perfumes, divinas camadas. Ou então em cortes precisos, riscando crânios como mapas astrais. Ou até sem fio algum, na dignidade de uma careca que transpira.
Vi tudo isso nas ruas e beijei, na minha alegria, todos os sorrisos. Segui por hálitos, cheiros de corpos, alfazemas, Hererras 212. Corri para todos os abraços que prometiam aromas e afetos.
Fui vivendo pequenas explosões, perdendo o pudor do meu próprio corpo, colecionando formas que talvez nunca levem ao link das mais lidas, mas que definem com precisão delirante os corpos que celebram o Carnaval desse meu Brasil.
E pude enfim entender.
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