Dom Jaime Spengler, 64, diz ter ficado bastante surpreso quando soube que se tornaria cardeal. Aconteceu no fim da manhã de 6 de outubro, um domingo, quando ele estava em Roma, para participar da assembleia do Sínodo dos Bispos.
“Terminei a leitura de um livro no quarto onde estava e de repente o meu celular começa a disparar: ‘parabéns’, ‘sucesso’, ‘coragem’. Eu respondi: ‘Não é meu dia de aniversário’. E aí me disseram que o papa tinha citado meu nome na praça de São Pedro, na oração do Angelus”, disse d. Jaime à Folha. “Eu fiquei sem chão. Fiquei quieto, até me recompor da surpresa.”
Arcebispo de Porto Alegre e presidente eleito da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e do Celam (Conselho Episcopal da América Latina e do Caribe), dom Jaime se tornará o oitavo cardeal brasileiro, o sétimo com direito a votar na escolha do próximo papa –por ter mais de 80 anos, dom Raymundo Damasceno Assis, arcebispo emérito de Aparecida (SP), não é mais eleitor.
Francisco empossará 21 novos cardeais, entre eles dom Jaime, neste sábado (7), às 12h (horário de Brasília), na basílica de São Pedro, no Vaticano.
A escolha de seu nome se deve à confluência de dois fatores, segundo dom Jaime. É uma resposta ao próprio trabalho e à tragédia climática deste ano no Rio Grande do Sul. Mais que reconhecimento, afirma, é sinal da “solicitação de um serviço ainda mais intenso”.
Em seu décimo consistório (reunião de cardeais com o pontífice), Francisco mantém a sua marca de ampliar a representação geográfica no Colégio Cardinalício. Incluindo os novos, os 253 cardeais são de 94 países, com aumento, desde 2013, de asiáticos, africanos e sul-americanos. Por outro lado, diminuiu a presença europeia, principalmente de italianos.
Uma diversidade regional que pode trazer dificuldades na hora de escolher o sucessor de Francisco, já que os cardeais estão espalhados por vários países e convivem pouco. “Vai exigir um esforço ainda maior no sentido de buscar consenso”, reconhece dom Jaime. Para ser eleito, é preciso que o futuro papa receba dois terços dos votos dos eleitores presentes.
“Eu não sei, por exemplo, quem é o cardeal de Tóquio, da Mongólia, das Filipinas. Mesmo aqui, no contexto latino-americano, não conheço todos. Creio que pode trazer dificuldade e exigir prudência, de não atropelar processos para que realmente se chegue a um consenso salutar”, diz dom Jaime.
Até completar 80 anos, em 2040, ele terá pela frente 16 anos com possibilidade de votar em conclaves. Um acontecimento que o arcebispo trata com reserva. “Espero não precisar participar. Porque eu imagino a responsabilidade. Nós nos guiamos por um princípio de fé –quem elege [o papa] são os cardeais ali reunidos, mas invocando o Espírito Santo de Deus.”
A missão dos cardeais num conclave, diz o arcebispo, é identificar os desafios presentes e o nome que demonstre maior capacidade de responder a eles. “Encontrar a pessoa certa para o tempo certo. E eu creio que aqui se faz necessário muita capacidade de escuta, perspicácia, sensibilidade e oração.”
Para dom Jaime, o sucessor ideal de Francisco será alguém que seja capaz de construir pontes para superar um mundo que parece sempre mais polarizado. E que esteja à altura do maior desafio da Igreja: o de transmitir a fé às novas gerações com uma linguagem apropriada.
Ao avaliar o legado de Francisco até hoje, dom Jaime cita a preocupação com a humanidade e a necessidade de atentar para problemas como a mudança climática. E acredita que o papa seja “a voz mais autorizada no mundo, em torno de questões não só eclesiásticas”, mas também em áreas como meio ambiente, relação entre os povos e a necessidade de pensar em um sistema econômico diferente.
“O sistema democrático está em crise. As instâncias de mediação da sociedade moderna se encontram em dificuldades. A OEA, a ONU, o Conselho da Europa parece que perderam a relevância”, diz. “Quem são os líderes globais no âmbito da política que atraem o nosso respeito, a nossa admiração? Me parece que hoje a voz que ainda ressoa de forma mais intensa é a voz do papa Francisco.”
Raio-X | Dom Jaime Spengler, 64
Nascido em Gaspar (SC), entrou na Ordem dos Frades Menores em 1982. Estudou filosofia e teologia. Foi ordenado sacerdote em 1990 e nomeado bispo auxiliar em 2010. Em 2013, foi nomeado arcebispo de Porto Alegre pelo papa Francisco. Desde 2023, é presidente eleito da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e do Celam (Conselho Episcopal da América Latina e do Caribe). Será anunciado como cardeal no consistório de 7 de dezembro, no Vaticano.
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