“Fizeram da embaixada um centro de espionagem, colocam drones de vigilância todo o tempo”, afirma Omar Gonzalez, um dos seis opositores asilados desde março na embaixada argentina em Caracas, sede diplomática que está sob os cuidados do Brasil.
Após três semanas com a embaixada cercada por agentes da ditadura de Nicolás Maduro, os altos integrantes da campanha de Edmundo González e María Corina Machado dizem que há franco-atiradores ao redor do prédio, encapuzados e camuflados. “O que querem? Uma tragédia?”, diz Gonzalez, coordenador político da campanha.
Esta é a primeira vez que o grupo de asilados fala publicamente. A conversa, por chamada de vídeo, ocorreu neste sábado (14) com um grupo de jornalistas, com participação da reportagem.
“O dano espiritual e mental que nos produzem é gigante, é um abuso psicológico”, dizem. Eles dizem temer por suas vidas.
O grupo relata ter começado a racionar energia, água e mantimentos. Há três semanas cortes de energia se tornaram constantes e, ainda que o espaço tenha um gerador elétrico, o receio é de até quanto ele terá carga. Cortes de água também tiveram início, e o acesso de pessoas à embaixada, para levar mantimentos, tem sido dificultado.
Com a proximidade das festas de fim de ano, eles falam sobre o peso psicológico do asilo. Desde as eleições, em julho, a ditadura impediu que familiares os visitassem na embaixada. “Vou passar sem netos, sem esposa, sem filhos. Tenho 74 anos, há 53 sou casado. Não somos criminosos, o que fizemos foi lutar por liberdade”, diz Gonzalez.
Eles agradecem aos governos da Argentina e do Brasil, mas enviam cobranças. A gestão do ultraliberal Javier Milei, na mira diplomática de Maduro, deu asilo aos seis em março passado, depois de o regime afirmar que os deteria. Após as contestadas eleições de 28 de julho, a ditadura expulsou os funcionários diplomáticos argentinos.
Neste momento, o Brasil assumiu a sede diplomática e os interesses argentinos. Mas não há nenhum funcionário brasileiro na embaixada, e os contatos são limitados. Caracas já tentou tirar a tutela do Brasil.
Brasília respondeu que, seguindo os preceitos do direito internacional, seguirá na gestão da embaixada até que outro país seja designado para fazê-lo, o que, no entanto, ainda não ocorreu.
“O Brasil se manteve firme apesar do assédio, sentimos que a bandeira brasileira nos protege”, diz Pedro Urruchurtu Noselli, coordenador de política internacional, outro asilado.
“Lula é um democrata, entende o que está acontecendo. Agora, tem de levar esse tema com mais urgência, o que está acontecendo é inaceitável”, segue. Eles fazem o mesmo pedido a Javier Milei.
A relação com Buenos Aires se agravou nesta sexta-feira (13), quando a Casa Rosada afirmou que um cabo argentino que estava na Venezuela para visitar a família foi preso e que também um antigo funcionário da embaixada, um motorista, está desaparecido.
Os trabalhadores da embaixada (aqueles que não fazem parte do corpo diplomático e, portanto, não foram expulsos) acabam de sair de férias na última semana. Deixaram uma última compra de mantimentos com os asilados, que estão usando com rigor diante da incerteza.
O grupo sob o guarda-chuva de María Corina Machado afirma crer que a sede diplomática será invadida. Falta menos de um mês para a posse presidencial na Venezuela, quando Nicolás Maduro deve ser consagrado para mais um mandato, ainda que a maior parte da comunidade internacional não tenha reconhecido sua reeleição.
O Brasil mantém relações, mas não disse, nem pretende dizer, segundo a reportagem ouviu de interlocutores, que Maduro foi eleito.
Enquanto isso, Edmundo González, reconhecido presidente eleito por países como Argentina e EUA e que está exilado em Madri, diz que irá à Venezuela e tomará posse. “Como?” é a pergunta que todos se fazem. Ele diz ter em conta a possibilidade de que pode ser preso pelo regime.
María Corina diz seguir na Venezuela, “sob resguardo”. Não se sabe onde ela está, e não se descarta que esteja abrigada em uma embaixada, como também esteve González antes do exílio.
Nesta semana, durante uma audiência convocada pela Argentina na OEA (Organização dos Estados Americanos), em Washington, o Brasil disse que insiste com frequência em suas tratativas com a Venezuela para que o país dê salvo-conduto aos asilados e os deixe sair. Brasília também já ofertou enviar um avião para buscá-los.
Na ocasião, o embaixador Benoni Belli também relatou que a ditadura teria afirmado ao Brasil que não invadiria a sede diplomática. Afirmação oposta, porém, às impressões de quem vive na embaixada sem ver a cor das ruas de Caracas há nove meses.
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