Um relatório divulgado na quarta-feira (12) pela Anistia Internacional revelou um cenário alarmante no Haiti, onde gangues criminosas estão recrutando, violentando e matando crianças em meio a uma escalada de violência sem controle. A organização denunciou que mais de um milhão de crianças haitianas vivem atualmente em áreas sob controle ou influência dessas facções, tornando-se alvos frequentes de abusos e exploração.
De acordo com a Anistia Internacional, crianças estão sendo ameaçadas, espancadas, sequestradas, violentadas e assassinadas por membros de gangues que dominam grande parte da capital Porto Príncipe e áreas vizinhas.
“Gangues têm causado uma angústia generalizada no Haiti. Elas ameaçam, espancam, estupram e matam crianças”, afirmou Agnès Callamard, secretária-geral da Anistia Internacional.
O relatório, baseado em entrevistas in loco com mais de 100 pessoas, entre crianças, trabalhadores humanitários, funcionários do governo e representantes da Organização das Nações Unidas (ONU), detalha casos de menores recrutados à força, meninas vítimas de exploração sexual e crianças assassinadas por milícias conhecidas como movimento Bwa Kale.
A Anistia Internacional lembra que desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em julho de 2021, a violência no Haiti tem aumentado exponencialmente. Em 2024, segundo informações da ONU, mais de 5 mil pessoas foram mortas em ataques promovidos por gangues criminosas, que estão em guerra no país, um número mil vezes maior que o registrado em 2023. Além disso, 2.212 pessoas ficaram feridas e 1.494 foram sequestradas.
Abusos sexuais e exploração de meninas
O relatório documenta casos brutais de violência sexual contra meninas, incluindo sequestros e estupros coletivos cometidos por membros das gangues.
“Atacam meninas quando estão na rua e também invadem suas casas deliberadamente”, denuncia a Anistia Internacional.
Em um dos casos relatados, duas irmãs adolescentes foram sequestradas por uma facção criminosa quando voltavam da escola. Uma delas foi estuprada por cinco homens e a outra por seis.
“Eu penso sobre isso e me pergunto: sou uma criança, por que isso aconteceu comigo?”, desabafou à organização uma das vítimas.
A Anistia Internacional também denunciou a exploração de meninas para prostituição com membros das gangues. Muitas das vítimas chegaram a ficar grávidas.
Uma jovem de 16 anos, que já era mãe, relatou à organização que é obrigada a ter relações sexuais com membros de uma gangue em troca de comida para si e para seu filho.
“Não tenho escolha. Eles te veem e dizem ‘vamos’. Se você recusa, te batem com uma arma… Posso ser morta a qualquer momento”, contou.
Segundo a Anistia Internacional, a dificuldade de acesso à saúde tem agravado ainda mais a situação das vítimas. Serviços médicos essenciais para as crianças alvo de violência sexual foram afetados pela guerra de gangues, tornando praticamente impossível meninas e meninos recebam atendimento necessário para sua recuperação física e psicológica.
Crianças forçadas ao recrutamento e trabalho forçado
As gangues criminosas também recrutam crianças para outras funções, desde espionagem contra grupos rivais e autoridades até transporte de armas e realização forçada de serviços domésticos. Segundo o relatório, meninos haitianos estão sendo coagidos a portar armas e cometer crimes, enquanto meninas são forçadas a realizar tarefas para líderes das facções.
Um menino de 12 anos relatou à Anistia Internacional que foi obrigado por uma gangue a atuar como informante. “Se eu não fizesse, eles me matariam”, disse. Outro jovem contou que foi forçado a carregar uma arma e cometer crimes. “O que eu fiz, não fiz de coração”, relatou.
Uma jovem de 17 anos relatou que era obrigada a comprar presentes para namoradas dos criminosos e limpar suas casas.
“Às vezes eu dizia que não queria fazer, mas eles gritavam comigo e diziam: ‘Quando o chefe manda, você tem que obedecer’. Você não pode dizer não”, afirmou.
Com o aumento da violência, grupos criminosos têm reagido contra aqueles que acreditam que possam estar ligados aos rivais, resultando em execuções tanto de crianças quanto de adultos.
Impunidade e apelo internacional
Em seu relatório, a Anistia Internacional alertou para a impunidade no Haiti, onde forças de segurança são inexistentes em diversas áreas, tornando denúncias inviáveis.
“Não há polícia… A única autoridade na região são os membros das gangues”, afirmou uma vítima, segundo o documento.
A organização pediu ações concretas da comunidade internacional e dos governos locais para interromper esse ciclo de violência e proteger as crianças haitianas.
“As autoridades haitianas e a comunidade internacional, incluindo doadores, precisam intensificar seus esforços. Expressões vazias de preocupação não são suficientes. Os corpos, mentes e corações das crianças são violados todos os dias”, declarou Callamard.
Entre as medidas urgentes recomendadas pelo relatório, estão a criação de um plano de proteção à infância, o combate ao fluxo de armas ilegais para o Haiti e o desenvolvimento de programas para reintegração de crianças envolvidas com as gangues.
Além disso, a Anistia Internacional pediu ainda que os países cessem as deportações de haitianos enquanto a crise de violência continuar no país.
“Os países devem parar de deportar à força os haitianos enquanto durar a campanha de terror das gangues e a crise mais ampla de direitos humanos”, concluiu a secretária-geral da organização.
Deixe um comentário