Em seus diferentes extremos, o litoral paulista é coroado por duas pérolas. Ao norte, pertinho do estado do Rio de Janeiro, a bem conhecida Ilhabela atrai, anualmente, mais de um milhão de turistas a suas praias. Já no extremo sul, na divisa com o Paraná, encontra-se um tesouro escondido: a menos badalada Ilha do Cardoso, com apenas 50 mil visitantes por ano, é um refúgio para quem preza pela calmaria.
A ilha é mais que um convite à desconexão, e não apenas pelos poucos turistas que circulam por lá. À exceção de alguns lugares com geradores e placas solares, não há energia elétrica —e tampouco há sinal para internet ou mesmo para ligações. É claro que algumas pousadas oferecem wifi, mas, uma vez na Ilha do Cardoso, a última coisa que se quer é pegar o celular (a não ser para tirar fotos).
Decretada parque estadual em 1962, a ilha –parte do município de Cananeia– é a primeira área insular protegida em São Paulo. Seus mais de 150 km² abrigam quase mil espécies vegetais da mata atlântica, além de belos representantes da fauna local, como bugios e suçuaranas. Apenas 5% do território da ilha são habitados, sendo ocupados, principalmente, por comunidades indígenas.
A maior comunidade fica no Núcleo Marujá, local de desembarque na ilha, onde se concentra a maior parte da estrutura turística. Por lá, há pousadas, campings, restaurantes e saídas de barco para diversos passeios. O Marujá é ideal para aproveitar o fato de a ilha ser fluviomarítima, isto é, rodeada de água doce e salgada. Imagine o mapa como um algodão doce: a parte sul é comprida e delgada como o palito. De um lado do palito está o mar; do outro, o rio —apenas 400 metros os separam. Dá para relaxar na praia e, depois, pular na água doce para tirar o sal.
A praia Marujá é a mais visitada da ilha, mas, por ser ampla, dificilmente fica cheia. Ela se estende em um retão de mais de 15 km (é toda a extensão do palito) e vai apenas mudando de nome. Mais ao sul, encontram-se as praias da Restinga e enseada da Baleia, onde o isolamento é quase total. Ao longo de toda a costa, o mar é bravo —mas não impossibilita bons banhos. A infraestrutura é quase inexistente, então é bom levar o que for consumir.
Um costão separa o Marujá da praia da Laje, já no início da parte norte da ilha (o algodão doce propriamente dito). Para chegar, é preciso ir de lancha ou enfrentar uma trilha recomendada para iniciados: a mata é mais fechada, com pedras e há risco de encontrar animais peçonhentos. Como recompensa, cinco quilômetros de uma bela praia deserta. Ao final da orla, outra trilha leva às piscinas da Laje, onde se formam pequenos poços naturais de água bem cristalina. A contratação de guia pode valer a pena para esses passeios e, para algumas atrações, é obrigatória.
No topo do algodão doce fica o Núcleo Perequê, outra região habitada da ilha— um pouco menor, mas com serviços turísticos. O núcleo abriga um museu homônimo, onde é possível ver ossadas, animais empalhados, mapas e curiosidades da cultura local. A visita pode ser combinada a um passeio pelo manguezal, mas sem se sujar. Isso porque a trilha é suspensa: por 650 metros, caminha-se sobre uma passarela acima do manguezal, à margem do rio Perequê. Do alto, é possível observar animais como ostras, garças e caranguejos.
Logo ao lado está a praia do Pereirinha, frequentada por quem se hospeda na ilha e, também, por turistas que fazem bate-volta a partir de Cananeia. A chegada pelo mar oferece um espetáculo à parte: as águas calmas e cristalinas são morada de tartarugas, arraias e golfinhos, que podem ser vistos da embarcação. Os golfinhos, aliás, nadam perto da orla —não é raro vê-los por lá, até mesmo a partir da areia. A praia tem boa estrutura de bar e restaurantes, além de aluguel de caiaque e stand up paddle.
Não muito longe dali, um monumento relembra uma fase importante da história do Brasil. A Ilha do Cardoso guarda um marco do Tratado de Tordesilhas —o acordo assinado em 1494 que dividiu as terras do então Novo Mundo entre as coroas de Portugal e Castela (hoje parte do território espanhol). Após o acordo, em 1502, uma expedição portuguesa teria ido a Cananeia (então Maratayama) instalar o marco sobre esse ponto da linha imaginária criada pelo tratado. O que se encontra na ilha é uma réplica do marco — quem abriga o original é o Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Quando estiver por lá, busque fazer a visita durante a maré baixa. O monumento em si é pequeno, mas a visita vale pela história e pelo visual.
Para chegar à ilha deve-se, primeiro, chegar a Cananeia. O acesso se dá por Curitiba ou por São Paulo, ambas a cerca de 250 km, pela BR-116. Uma vez em Cananeia, escolhe-se uma embarcação e um ponto de desembarque (Perequê é mais próximo da ilha; Marujá, o ponto mais procurado, é mais distante). As travessias podem ser feitas de escuna, que são mais baratas, mas lentas. A chegada a Marujá, por exemplo, pode levar três horas. A viagem pode ser abreviada com embarcações do tipo voadeira, mais caras, mas chegam ao Marujá em menos de uma hora. Não se preocupe, no entanto, com o tempo: o caminho é deslumbrante, e já faz parte do passeio.
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