Um relatório da Anistia Internacional divulgado nesta quinta-feira (5) acusa Israel de cometer genocídio contra palestinos na guerra na Faixa de Gaza. É a primeira vez que a organização faz uma acusação do tipo durante um conflito armado ativo.
Após meses de análises de incidentes no território palestino e de declarações de autoridades de Tel Aviv, o grupo de direitos humanos com sede em Londres disse ter chegado à conclusão de que o limiar legal para o crime foi atingido.
A Convenção de Genocídio de 1948, promulgada após o assassinato em massa de judeus no Holocausto nazista, define genocídio como “atos cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.
“Mês após mês, Israel tem tratado os palestinos de Gaza como um grupo sub-humano, indigno de respeito pelos direitos humanos e pela dignidade, demonstrando sua intenção de destruí-los fisicamente”, afirmou a secretária-geral da organização, Agnès Callamard, em um comunicado. “Nossas conclusões impactantes devem servir para chamar a atenção da comunidade internacional: isto é um genocídio.”
Tel Aviv rejeita qualquer acusação do tipo, afirmando que respeita o direito internacional e tem o direito de se defender após o ataque terrorista do Hamas no sul de Israel em outubro do ano passado, no qual cerca de 1.200 pessoas foram mortas e mais de 250, sequestradas.
“O deplorável e fanático grupo Anistia Internacional mais uma vez produziu um relatório fabricado que é totalmente falso e baseado em mentiras”, escreveu na rede social X o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Oren Marmorstein.
Callamard se antecipou ao argumento em uma entrevista coletiva em Haia, na Holanda. “Sejamos claros: os objetivos militares podem coincidir com intenções genocidas”, disse ela. A conclusão, segundo ela, não foi tomada “levianamente, politicamente ou preferencialmente”. “Há um genocídio sendo cometido. Não há dúvida, nem uma dúvida em nossa mente após seis meses de pesquisa aprofundada e focada”, afirmou.
A secretária-geral disse ainda que a Anistia não estava tentando provar a ocorrência de um genocídio, mas, após revisar as evidências e declarações coletivamente, essa era a única conclusão possível. “A afirmação de que a guerra de Israel em Gaza visa apenas desmantelar o Hamas e não destruir fisicamente os palestinos como grupo nacional e étnico simplesmente não se sustenta sob escrutínio”, completou.
O relatório de 300 páginas, que abarca o período de outubro de 2023 a julho de 2024, baseia-se em “declarações de caráter genocida e desumanizantes do governo israelense”, imagens de satélite que documentam a destruição do território palestino e investigações com os moradores de Gaza.
O documento menciona, por exemplo, 15 ataques aéreos realizados de 7 de outubro de 2023 a 20 de abril de 2024, que, segundo a organização, mataram 334 civis, incluindo 141 crianças, e nos quais “não se encontrou nenhuma prova de que estivessem dirigidos contra alvos militares”.
Desde o início da guerra, mais de 44 mil pessoas morreram em Gaza, a maioria civis, segundo dados do Ministério da Saúde no território, considerados confiáveis pela ONU. Autoridades palestinas e das Nações Unidas dizem que não há áreas seguras restantes em Gaza, um dos territórios mais densamente povoados do mundo. A maioria de seus 2,3 milhões de habitantes foi deslocada internamente, alguns até dez vezes.
A Anistia também denuncia as condições de vida em Gaza, onde as pessoas estão submetidas a “desnutrição, fome e doenças” que “os expõem a uma morte lenta e calculada”. “Os Estados que enviam armas a Israel violam suas obrigações de prevenir o genocídio e correm o risco de se tornarem cúmplices”, afirmou Callamard.
Segundo o documento, Israel cometeu pelo menos três dos cinco atos proibidos pela Convenção de Genocídio de 1948 —assassinatos, danos corporais ou mentais graves e aplicação deliberada de condições de vida que provocam a destruição física de um grupo.
Com base em mais de cem declarações de autoridades israelenses, a entidade afirma que esses atos foram feitos com intenção —condição-chave para decidir se houve ou não genocídio.
Em janeiro deste ano, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, determinou que Israel tome medidas para evitar atos de genocídio na guerra contra o Hamas, apesar de não ter decidido se Tel Aviv efetivamente cometeu esse crime —um julgamento que pode se arrastar por anos. A decisão da corte frustrou palestinos, que esperavam uma posição mais contundente.
A ONG anunciou que também publicaria um informe sobre os crimes cometidos pelo Hamas durante o ataque de 7 de outubro de 2023, no sul de Israel.
A Autoridade Palestina afirmou que a Anistia Internacional “é uma organização global confiável que baseia os seus relatórios em evidências.” “Ela esclareceu que possui evidências de que Israel comete genocídio”, afirmou o órgão representante dos palestinos reconhecido pela comunidade internacional.
Já a filial da entidade em Israel se distanciou das conclusões de seu grupo matriz, dizendo que não teve participação na pesquisa e não acredita que Israel esteja cometendo genocídio. No entanto, afirmou que os assassinatos e a destruição em Gaza atingiram “níveis horríveis” e pediu uma investigação sobre possíveis crimes contra a humanidade.
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