Bonita, ela não é. Crua, na bandejinha do supermercado, exibe manchas e uma textura áspera que fazem muita gente torcer o nariz. O formato, então… Apesar disso, a língua bovina anda mais em alta do que nunca e vem conquistando cada vez mais espaço nas cozinhas contemporâneas.
Um bom termômetro desse novo status é sua presença nas geladeiras da boutique de carnes Beef Passion, que trabalha com gado tricross, cruzamento das raças nelore, angus e wagyu. Enquanto o quilo da língua com casca, no varejo convencional, não passa de R$ 20, o produto premium já descascado tem preço de iguaria –R$ 125 o quilo.
O corte também anda irreconhecível no novo cardápio do tailandês Ping Yang. O espetinho lin wua ping (R$ 32) traz uma fatia fina em forma de ziguezague, finalizada na brasa e servida com farofa de khao kua (farinha de arroz tostado).
Para conseguir o resultado, o chef Maurício Santi congela a língua crua já descascada antes de fatiá-la. O tempero vem de uma rápida marinada de shoyu e leite de coco. “Fica tenra e pega o gosto defumado, mas não posso errar o tempo. Se passar um minuto além, fica dura”, diz o chef.
O menu-degustação que o Evvai lançou em agosto, a R$ 1.150 por pessoa, tem o corte em destaque. O prato língua, rabo, agrião e cogumelos é uma espécie de lasanha —cozida no sous-vide por 24 horas, a língua é ultracongelada e cortada em fatias de 2 milímetros, que são intercaladas com massa e caldo de rabo reduzido.
O chef da casa, Luiz Filipe Souza , reconhece que a língua não está entre os ingredientes mais queridos. “Boa parte das pessoas, assim como eu, tem na memória a língua na tábua da cozinha. No Evvai, é um corte que não se espera encontrar, mas virou um dos mais queridos do menu”, diz.
No Cepa do chef Lucas Dante, a língua tem raça definida. Vem do gado wagyu, famoso pela maciez da carne. “Já provei línguas de outras raças bovinas, são muito boas, mas a de wagyu tem marmoreio e fica mais macia, principalmente na parte da frente, que costuma ser mais rígida”, explica.
O prato, que custa R$ 89, leva mais de dois dias para ficar pronto. Começa com 24h de salmoura líquida e um segredo: nesta fase, Dante não remove a casca dura que envolve o corte, como é de praxe. “Descobri que, mantendo a casca, a língua perde menos líquido e fica mais macia. Comprovei em testes às cegas”, revela.
Depois, a língua é cozida no sous-vide por mais 24 horas. Só depois será descascada, cortada em medalhões e finalizada na brasa, para ir à mesa com caldo de galinha, quiabo e hortelã.
Muita gente nem desconfia que a língua bovina também tem tradição no Japão. Quem conta é Toshi Akuta, chef do Otoshi Izakaya. “É típica da cozinha japonesa de 1900 para cá. Em Sendai, no nordeste do país, o hábito é comer língua em fatias grossas grelhadas no carvão, temperadas com sal ou tarê. Só mais tarde apareceu a versão cozida, tipo ensopado.”
No seu izakaya, Akuta adota os dois preparos. O gyutan (R$ 50) traz fatias finas grelhadas, temperadas só com flor de sal. Com as aparas, ele faz um guisado (R$ 58) que leva umeboshi (ameixa em conserva), shoyu e saquê.
Embora seja novidade na cozinha contemporânea paulistana, a língua bovina é sucesso antigo na cozinha de boteco, quase sempre em preparos de longo cozimento.
Só para o Mocotó da Vila Leopoldina, o chef Rodrigo Oliveira prepara língua braseada ao molho de vinho (R$ 38,90). Rômulo Morente, do Bar Moela, serve o corte com molho vinagrete (R$ 25), ao molho com jiló (R$ 40), como recheio do lanche do zé (R$ 30) e do harumaki (R$ 15).
A onda da charcutaria artesanal pôs em evidência a língua bovina curada e defumada, pronta para o consumo —basta fatiar fininho e servir como aperitivo, como ela aparece no menu do bar Elevado Conselheiro. A porção, a R$ 36, inclui mostarda e picles.
Na cozinha judaica, a língua costuma ser ingrediente de preparos caldosos, mas também substitui o peito bovino no preparo do pastrami, carne temperada e curada que é um dos hits da Z Deli Sandwiches. Fatiado fininho, o pastrami de língua é empilhado dentro do pão de centeio, com molho tártaro, mostarda forte e picles (R$ 57).
Também faz parte do receituário clássico francês. Na Le Jazz Brasserie, a langue à la moutarde (R$ 77) leva molho de mostarda e vai ao prato com vegetais e purê de batatas. O truque do chef Chico Ferreira é cozinhar a língua em caldo aromático e cortá-la em escalopes, que são grelhados na manteiga na hora de servir, para que se forme uma crostinha caramelizada saborosa.
Para Ferreira, a recente popularidade da língua bovina tem a ver com o trabalho dos frigoríficos de alto padrão, que deixaram o corte mais apresentável. “Ao contrário dos outros miúdos, que têm textura gelatinosa, a língua é um músculo e só fica assustadora quando é vendida com a pele.”
Veja onde comer língua em SP
Bar Moela
R. Canuto do Val, 136, Santa Cecília, região central; @barmoela
Beef Passion
R. Barão de Tatuí, 229, Vila Buarque, região central; beefpassion.com.br
Cepa
Praça dos Omaguás, 110, Pinheiros, região oeste, tel. (11) 2096-0687; @restaurante.cepa
Elevado Conselheiro
R. Conselheiro Ramalho, 800, Bela Vista, região central, tel. (11) 2365-0236. @elevado_conselheiro
Evvai
R. Joaquim Antunes, 108, Pinheiros, região oeste, tel. (11) 3062-1160. @evvai_sp
Le Jazz Brasserie
R. dos Pinheiros, 254, Pinheiros, região oeste, tel. (11) 2359-8141. @lejazzbrasserie
Mocotó
R. Aroaba, 333, Vila Leopoldina, região oeste, tel. (11) 3294-4814. @mocotorestaurante
Otoshi Izakaya
R. Padre Carvalho, 335, Pinheiros, região oeste. @otoshi.izakaya
Ping Yang
R. Dr. Melo Alves, 767, Cerqueira César, região oeste, tel. (11) 3086-3785. @pingyangsp
Z Deli Sandwiches
R. Francisco Leitão, 16, Pinheiros, região oeste, tel. (11) 2305-2200. @zdelisandwiches
Deixe um comentário