quinta-feira , 26 dezembro 2024
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Lula consagra divórcio com mercado e perde apoio para 2026



Após o apoio declarado de gestores de fundos de investimentos a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições de 2022 e um prolongado voto de confiança em 2023, sustentado pela aprovação do novo arcabouço fiscal, a relação entre o presidente e o mercado financeiro se deteriorou de vez. Nas últimas semanas, a crescente desconfiança mútua culminou em um divórcio, descrito por analistas como litigioso e irreversível.

O ponto de ruptura foi a apresentação de um pacote de contenção de gastos tardio, insuficiente e contraditório. A frustração profunda de investidores levou a uma alta histórica no dólar e à disparada nos juros. O mal-estar generalizado provocou até uma torcida dos operadores de negócios pela descontinuidade de Lula no poder, indicando a perda total de respaldo deles ao projeto de reeleição do presidente em 2026.

Pesquisa da Genial/Quaest, divulgada no início do mês, revelou pico de desaprovação de Lula entre agentes do mercado financeiro. Para 90% dos entrevistados, a avaliação do governo é negativa. E 96% consideram que a política econômica está “na direção errada”. O levantamento, realizado com 105 agentes do mercado após o anúncio do pacote fiscal pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), aponta ainda que só 3% avaliam positivamente o Lula 3.

O presidente ironizou os números, dizendo que não tinha apoio nenhum do mercado quando foi candidato.

Sinais de insatisfação do mercado cresceram e atingiram o auge em 2024

O desalento entre ex-apoiadores do governo atingiu seu ápice. Durante um evento no fim de novembro, Rubens Ometto, presidente do Grupo Cosan, declarou diante de Gabriel Galípolo, futuro presidente do Banco Central (BC), indicado por Lula, que “o país está ferrado”. Ele criticou a falta de combate ao déficit fiscal e alertou que, sem corte de gastos públicos, os juros seguirão subindo, desestimulando investimentos e pondo negócios em risco.

Luis Stuhlberger, presidente da Verde Asset, expressou arrependimento por ter confiado que Lula adotaria postura fiscal responsável. Em maio de 2024, durante apresentação a investidores, afirmou: “me penitencio por ter acreditado que o PT teria seriedade fiscal”. Stuhlberger destacou que sua percepção mudou após o governo alterar metas fiscais e apresentar projeto orçamentário irrealista para 2025.

Em recente relatório, o Deutsche Bank comparou o terceiro mandato de Lula ao segundo de Dilma Rousseff (PT), apontando riscos fiscais, inflação elevada e moeda desvalorizada devido à estratégia de ampliar gastos. A instituição projeta crescimento econômico abaixo de 2% em 2025, inflação acima da meta (5%) e dívida pública alcançando 90% do PIB até 2027.

Mercado reage bem à alta de juros básicos e à chance de Lula não buscar a reeleição

Para a economista Rita Mundim, conselheira da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), o distanciamento do mercado em relação a Lula ficou evidente na variação dos seus índices após cirurgias do presidente. “Quando surgem sinais de que ele pode não disputar a reeleição, o dólar e os juros futuros recuam; o oposto acontece quando boletins médicos apontam a recuperação do presidente. O mercado precifica o futuro, ciente de que responsabilidade fiscal não é viável sob Lula”, afirmou.

Rita também destacou que um cenário sem Lula ou com uma centro-direita fortalecida pode trazer “alguma responsabilidade fiscal”. Ela acredita que o Congresso deve assumir papel protagonista no ajuste, desidratando o governo e impulsionando o ajuste das contas públicas, o que pode beneficiar nomes da centro-direita nas eleições de 2026.

Mau humor do mercado se repete na sociedade no desconforto com inflação

Leonardo Barreto, da consultoria Think Policy, aponta “clara desconexão política entre o mercado e o governo” no debate sobre a economia, que se transformou em guerra de visões. Enquanto isso, a população sente a alta da inflação e mostra interesse pela proposta de Lula de isentar do Imposto de Renda (IR) sobre salários de até R$ 5 mil. A medida foi inserida no pacote fiscal de maneira atabalhoada e populista.

A principal preocupação dos investidores é o perfil da dívida pública – curta, cara e crescente. A concentração no curto prazo expõe o Tesouro às oscilações do mercado, enquanto juros altos encarecem o passivo e tiram recursos para investimentos e programas sociais. Por fim, o crescimento contínuo da dívida é puxado pelo próprio financiamento do déficit fiscal.

Para o economista e deputado estadual Claudio Branchieri (Podemos-RS), o rompimento entre Lula e o mercado era inevitável e agora se mostra irreversível. “Os investidores já entenderam que o presidente não se preocupa com equilíbrio fiscal e age só com cálculos eleitorais”, disse.

O governo, acrescenta o parlamentar, perdeu apoio da Faria Lima (avenida que simboliza gestores de fundos), ao contrário de 2022, quando alguns se engajaram em sua defesa”, afirmou. Ele também alertou: “O governo está criando uma bomba fiscal para 2027 e se recusa a abrir mão disso.”

Governo e oposição avaliam as reações do mercado a partir de visões fiscais opostas

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), chamou a alta dos juros pelo BC para conter a inflação de “irresponsável e desastrosa.” Ao jornal O Globo, ela descartou mudança de postura do partido em favor do equilíbrio fiscal por isso representar um suicídio político, rompendo com a base social. O ex-ministro José Dirceu, uma das figuras mais influentes da legenda, endossou a análise.

O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), vê falta de seriedade de Lula com as contas públicas e considera falsa a promessa de economizar R$ 70 bilhões nos próximos dois anos. Ele afirma que só o reajuste salarial dos servidores federais em 2025 está estimado em R$ 20 bilhões. “O foco do governo é unicamente a reeleição do presidente”, disse ele, ressaltando que “o povo está acordando” para isso.

O senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder de seu partido, disse da tribuna que “o governo está quebrado”, sem recursos financeiros, e a comprovação disso está na suspensão do pagamento de emendas parlamentares, decisão respaldada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ele acusou o ministro Flávio Dino, do STF, de interferir indevidamente em assuntos legislativos, agravando a situação de municípios.



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