O presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou nesta quinta-feira (5) que a ultradireita e a ultraesquerda formaram uma “frente antirrepublicana” responsável por derrubar o premiê Michel Barnier.
A declaração foi dada em pronunciamento horas após o presidente francês aceitar a renúncia de Barnier. A Assembleia Nacional havia aprovado na véspera uma moção de censura contra o premiê, com votos favoráveis tanto do bloco unificado de esquerda quanto da ultradireita.
Macron agradeceu a Barnier pelo trabalho e disse que o aliado “esteve a altura do momento, como outros não estiveram”. “Apesar das concessões feitas por Barnier, ele foi censurado porque a extrema direita e a extrema esquerda estão unidas em uma frente antirrepublicana”, afirmou.
O presidente francês não nomeou um novo premiê, embora tenha afirmado que o fará “nos próximos dias”. Barnier fica de forma provisória no cargo, até a nova nomeação, a pedido do presidente.
A ausência de um novo nome aprofunda incertezas no país com o segundo maior PIB da zona do euro. Os efeitos da instabilidade política, somados a um cenário complexo na economia, com alta dívida pública, podem fazer ondas também na União Europeia.
A remoção de Barnier, aliás, surgiu desse cenário. O premiê viu uma improvável concordância entre esquerda e ultradireita na votação para retirá-lo do cargo após ele forçar a passagem de uma lei de orçamento que não agradou nenhum dos dois campos opositores, com aumento de impostos e cortes de gastos.
“Chegamos ao momento da verdade. Cabe agora aos membros do Parlamento decidirem se nosso país terá um orçamento responsável e indispensável ou se entraremos em território desconhecido”, havia dito Barnier em discurso na Assembleia Nacional antes de ser removido.
A razão para o novo capítulo da prolongada crise política francesa foi o uso de um dispositivo constitucional que permite ignorar o Parlamento na aprovação de leis. Criticado por sua essência antidemocrática, o artigo 49, alínea 3 da Carta, conhecido como 49.3, foi usado outras vezes pelo governo Macron, como na aprovação da contestada reforma da Previdência em 2023.
Pela regra, a Assembleia Nacional tem 24 horas após a ativação desse dispositivo para entrar com moções de censura contra o premiê, que é o chefe de governo na França —o presidente ainda detém uma série de funções executivas e poder, razão pela qual o sistema francês é visto como semipresidencialista.
É prerrogativa do presidente, por exemplo, dissolver a Assembleia Nacional e antecipar eleições legislativas. Foi ao tomar essa decisão, em junho deste ano, que Macron deu o pontapé da crise política atual.
O presidente havia sofrido acachapante derrota na eleição para o Parlamento Europeu, ocasião em que a ultradireita liderada por Marine Le Pen e Jordan Bardella venceu com ampla margem em todo o país. A ideia de Macron ao convocar de forma surpreendente o novo pleito nacional naquele momento foi galvanizar apoio em torno de seu grupo político ante uma esquerda fragmentada e assustada com o avanço da ultradireita.
O resultado, no entanto, foi no mínimo ambíguo. Por um lado, o centro político que o apoia manteve-se como a segunda força na Assembleia Nacional; por outro, viu a ultradireita crescer e atrair nomes da direita tradicional e não conseguiu evitar que a esquerda concorresse em um bloco unificado que se tornou o maior da Casa.
Assim, a Assembleia Nacional se dividiu em três grandes grupos não majoritários que, na prática, só se assemelham em seu tamanho e na incapacidade de estabelecer diálogos produtivos um com o outro.
A própria nomeação de Barnier como primeiro-ministro refletiu esse impasse —foram dois meses entre o resultado do pleito e a indicação do político conservador para o cargo. As críticas mais agudas vieram da esquerda, que reivindicava o posto, já que era a maior coloração parlamentar, mesmo sem maioria.
Le Pen, no flanco da direita radical, tentou extrair concessões de Barnier, como a retirada da proposta de aumento na taxa de eletricidade, e medidas relativas ao reembolso da compra de medicamentos.
Barnier chegou a aceitar alguns pontos da negociação, mas não o suficiente para conseguir o apoio de Le Pen. A decisão improvável de se juntar à esquerda se explica pelas pretensões presidenciais da ultradireitista em 2027, quando Macron não poderá tentar a reeleição.
Ela, inclusive, chegou a pedir que Macron renunciasse ante o impasse na Assembleia Nacional. O presidente, durante seu pronunciamento, negou que sairá do cargo antes de 2027. “O mandato que me foi dado é de cinco anos, e vou exercê-lo até o fim.”
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