O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, tomou posse nesta sexta-feira (10) para mais um mandato – que se estenderá até 2031 – em uma cerimônia realizada na Assembleia Nacional, o Parlamento controlado pelo chavismo, em Caracas. Além do apoio integral do Parlamento, o evento também foi amparado pelo Poder Judiciário e pelas Forças Armadas venezuelanas, ambos aparelhados pelo regime vigente.
Maduro assume a Venezuela para um novo mandato após fraudar as eleições de 28 julho de 2024, vencidas de fato pelo opositor Edmundo González Urrutia, conforme atas coletadas e divulgadas pela oposição.
Seis meses após as eleições, o chavista Conselho Nacional Eleitoral (CNE) – que declarou Maduro vencedor – não apresentou as atas de totalização dos votos, conforme determina a legislação venezuelana.
Nesta sexta-feira, a Faculdade de Ciências Jurídicas e Políticas da Universidade Central da Venezuela (UCV) manifestou-se contrária à posse de Maduro, classificando-a como ilegítima. Em comunicado assinado pelo decano da instituição, Juan Carlos Apitz, a UCV destacou que “o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) ainda não efetuou o ato de totalização de todas as atas de escrutínio das votações do dia 28 de julho, conforme previsto nos artigos 144 da Lei de Processos Eleitorais e 373 de seu Regulamento Geral”.
Por sua vez, a Plataforma Unitária Democrática (PUD), maior bloco de oposição do país, denunciou a posse de Maduro como a consolidação de um golpe de Estado que ignora a vontade popular. Em comunicado, o grupo declarou que “em 28 de julho de 2024, pelo menos 7.443.584 venezuelanos disseram em alto e bom som que Edmundo González Urrutia é quem deveria tomar posse como presidente neste dia 10 de janeiro”. Segundo a oposição, o regime chavista se recusa a divulgar os resultados reais da eleição por temer a confirmação de sua derrota.
Diversos observadores internacionais também já questionaram a legitimidade do pleito que Maduro afirma ter ganhado. A missão de observação do Centro Carter criticou a postura do CNE, afirmando que “os resultados divulgados carecem de justificativa” e endossou a veracidade das atas apresentadas pela oposição.
“Nada do que se viu nos últimos meses respeita os princípios básicos de uma eleição justa e transparente”, afirmou um representante da missão.
Durante a cerimônia desta sexta-feira, Maduro fez o juramento de posse diante do presidente do Parlamento, Jorge Rodríguez, um aliado próximo que o declarou oficialmente investido no cargo. Em discurso, o ditador afirmou que seu regime “garantirá a paz e a soberania nacional” e que “sempre cumpriu a Constituição”, apesar das reiteradas acusações de fraude e violações dos direitos humanos contra opositores que protestaram contra os resultados.
“Estes seis anos representam uma síntese da resistência de 500 anos contra todos os imperialismos”, declarou Maduro, reiterando sua fidelidade ao legado do ditador Hugo Chávez e acusando os EUA de terem tentado lhe tirar do poder.
Maduro estava acompanhado em sua posse por outros ditadores de esquerda que também estão subjugando suas nações, como Miguel Díaz-Canel, de Cuba, e Daniel Ortega, da Nicarágua. Um representante do regime de Vladimir Putin na Rússia, Vyacheslav Volodin, presidente da Duma – Câmara baixa do Parlamento russo – também esteve presente. No local, estava ainda a embaixadora do Brasil na Venezuela, Glivânia Maria de Oliveira.
A cerimônia desta sexta foi marcada pelo forte esquema de segurança. Desde a madrugada, as principais vias de Caracas foram bloqueadas e patrulhadas por agentes da Direção Geral de Contrainteligência Militar (Dgcim), da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e da Polícia Nacional Bolivariana (PNB). Segurança reforçada e tanques nas proximidades do Parlamento impediram qualquer manifestação contrária ao evento. Desde esta quinta-feira (9), diversos venezuelanos se manifestam no país e em várias cidades do mundo contra a perpetuação do regime chavista.
Internacionalmente, a posse ilegítima de Maduro foi amplamente condenada. A União Europeia (UE) emitiu um comunicado em que a Alta Representante para Assuntos Exteriores, Kaja Kallas, afirmou que “as autoridades venezuelanas perderam uma oportunidade fundamental de respeitar a vontade do povo e assegurar uma transição democrática transparente com garantias para todos. Nicolás Maduro, portanto, não tem a legitimidade de um presidente democraticamente eleito”.
O texto ainda destacou a imposição de novas sanções contra o regime devido ao aumento da repressão no país desde as eleições, com mais de 2.500 prisões de opositores e civis.
“O Conselho Europeu decidiu impor sanções a quinze altos funcionários do regime por minar a democracia e os direitos humanos na Venezuela”, acrescentou Kallas.
Os Estados Unidos, por sua vez, aplicaram novas sanções contra chavistas e elevaram para US$ 25 milhões a recompensa por informações que levem à prisão de Maduro e do ministro do Interior, Diosdado Cabello.
Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, disse em sua conta no X que “o mundo sabe que Maduro perdeu” e reforçou o apoio do governo americano ao retorno da democracia na Venezuela.
Apesar da repressão e do cerco imposto pelo regime, a oposição prometeu continuar a luta por uma Venezuela livre.
“Devemos manter uma resistência democrática permanente e ativa até que a Constituição seja respeitada”, declarou a Plataforma Unitária Democrática (PUD) em comunicado, conclamando a comunidade internacional a seguir apoiando a causa democrática venezuelana. A líder opositora María Corina Machado, por sua vez, enfatizou que González deverá retornar ao país “no momento certo” para assumir o Executivo com apoio do “mundo”.
Chances remotas de mudança
Ricardo Caichiolo, professor de Relações Internacionais do Ibmec – Brasília, analisou em entrevista à Gazeta do Povo que, neste novo mandato, Maduro deve aprofundar a crise na Venezuela.
“Refletindo sobre o que vem assolando a Venezuela ao longo do governo de Maduro, podemos rapidamente citar a hiperinflação, a crise vivida com a queda da produção de petróleo, o aumento da pobreza, falta de investimentos, a má administração e a fuga de seus nacionais para outros países”, disse ele.
Para Caichiolo, o poder do chavismo sobre as instituições venezuelanas foi fundamental para perpetuar a fraude de Maduro e garantir sua posse nesta sexta.
“Sem o apoio desses setores, o regime não se sustentaria e a posse não ocorreria”, lembrou.
O professor analisa que, apesar da resistência, a oposição venezuelana enfrenta uma chance remota de mudar de fato o cenário no país, promovendo uma transição democrática.
“Acho a possibilidade [de María Corina e Edmundo González promover a transição democrática] extremamente remota. Há muitos anos já existe a pressão internacional para que haja essa transição; a assinatura do acordo de Barbados parecia ter sido um divisor de águas na condução do regime, mas Maduro não cumpriu nada que do que foi então firmado”, disse.
Sobre o posicionamento da comunidade internacional, o professor analisou que, neste novo mandato de Maduro, deve ocorrer a manutenção do não reconhecimento do regime chavista como governo de fato da Venezuela pela maior parte dos países. Ele cita, contudo, que a chegada do presidente Donald Trump à Casa Branca deve ampliar a pressão sobre Caracas.
“Haverá a manutenção do não reconhecimento. Regionalmente, Chile e Paraguai já estão com relações diplomáticas rompidas com a Venezuela. Há uma relação conflituosa com a Argentina, até mesmo porque Javier Milei ratificou o entendimento argentino de que o vitorioso nas eleições teria sido Edmundo González. México e Brasil adotaram uma postura de distanciamento. Os poucos países que o apoiam politicamente são China, Cuba e Rússia. Um elemento importante que se avizinha é a posse de Donald Trump, que certamente exercerá maior pressão sobre o regime de Maduro”, afirmou.
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