O sorriso doce moldura o rosto de Mestre Amaral, 61 anos, um homem que dedica a vida à cultura popular e que reproduz o quilombo em que nasceu no espaço que coordena no centro histórico de São Luís.
Ele nasceu batizado de Geraldo Mendes em um quilombo na cidade de São Vicente de Ferrer, na região conhecida como “baixada”, no Maranhão. “Trabalhava com roça, meu pai foi vaqueiro no engenho. Meu tataravô tocava tambor e meu pai os fabricava”, conta sobre as tradições herdadas.
O tataravô fez uma promessa para São Benedito e para cumpri-la realizava cinco dias de festa. “Ficava olhando e aprendendo”, afirma ele, que jogava bola e recebeu o apelido de “Amaral”. A tradição dos festejos continuou sendo reproduzida pela família e em 2024 está sendo realizada de 14 a 18 de outubro.
Quando o pai do mestre faleceu, ele mudou do interior para São Luís. Trabalhava como empregado em uma empresa de cerâmica. Os patrões pediram para ele escolher entre o tambor e o posto de trabalho. “Decidi ficar ‘dentro do tambor’ e não ter mais que pedir liberação de emprego para tocar”, diz.
Hoje, ele define o tambor como “minha vida, meu sangue, minha família”. E, assim se dedica a fabricar tambor, cantar, tocar e organizar as rodas. “Tornei-me mestre me estruturando, cantando. Também aprendi a tirar cantigas com composições minhas. Com tudo isso, já podem me chamar de doutor, né?”, brinca.
Para abrir os caminhos e trabalhos no centro cultural, o mestre costuma servir uma cachaça e receber amigos que cantam em diferentes grupos de bumba meu boi, além de ajudar a organizar o tambor de crioula que ele realiza todos os domingos às 17h30. Ao todo, 25 pessoas fazem parte do grupo.
“O tambor de crioula é uma homenagem a São Benedito com elementos das religiões de matriz africana. É uma dança dos pretos, que também faz reverência a Exu, preto velho, Zé Pelintra, Pai Joaquim”, descreve, lembrando que quando toca o tambor, sente como se estivesse dormindo. “Tem que incorporar”, complementa.
O mestre tem dois filhos, Benedito e Ian, e também ensina o ofício para crianças e adolescentes. “O meu mestre foi Deus e São Benedito”, diz ele. Hoje, a renda do espaço vem da venda de produtos e de editais junto ao poder público.
Centro cultural
Aqui é bar, museu, restaurante e casa, já que o mestre vive em um quarto no fundo. O Centro Cultural fica na Rua do Giz, 204, e abre de domingo a domingo das 9h às 00h. São tantas coisas nesse lugar que é difícil definir ou descrever. “Tentei trazer o quilombo para dentro de São Luís”, afirma o mestre, usando chapéu de samba, camisa estampada e um colar que reproduz um mini tambor.
Pelo espaço, tem grafites, um boi do bumba meu-boi, tambores, aparelho de som virado para a porta da rua, brechó, toalhas de chita, máquina de costura, telefones antigos, um pequeno palco, além de quadros na parede com inscritos como “cozinha temperada de amor” e “aqui feitiço é ser feliz”. Não se assuste se uma galinha sair andando pelo espaço: elas também vivem aqui.
Um altar destaca São Benedito e preto velho. As bandeiras de festa junina – época mais esperada na cidade – permanecem por aqui o ano todo. É um galpão do jeito da cultura popular brasileira e que expressa o mestre que o idealizou: diverso, potente, colorido e cheio de possibilidades.
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