A Síria amanheceu neste domingo (1º) sob novos confrontos do que parece ser um reavivamento da guerra civil de 2011. Em Idilib, cidade no norte do país controlada por rebeldes, houve ataques de jatos russos e sírios, enquanto Aleppo parece ter caído completamente nas mãos dos insurgentes.
No sábado (30), Moscou e Damasco já haviam bombardeado outras cidades na província de Idlib após facções lideradas pelo ex-braço sírio da Al Qaeda, o grupo Hayat Tahrir al Sham, lançarem na última quarta-feira (27) o mais audacioso ataque contra a ditadura em anos. Em quatro dias, 412 pessoas morreram, incluindo 61 civis, segundo o OSDH (Observatório Sírio de Direitos Humanos).
O segundo dia de bombardeios —os primeiros da Rússia na cidade desde 2016, segundo o observatório— teve como alvo, segundo moradores, uma área residencial no centro da cidade, na qual cerca de quatro milhões de pessoas vivem, muitas em barracas improvisadas.
O número de vítimas é incerto —socorristas locais afirmaram à agência de notícias Reuters que a ofensiva deixou sete mortos e dezenas de feridos, enquanto o OSDH fala em pelo menos oito civis mortos, incluindo duas crianças.
“Ouvimos uma explosão e as paredes caíram sobre nós. Vi dois dos meus netos perto de mim e os levei”, relatou à AFP Um Mohamad, de sua cama no hospital. A mulher perdeu sua nora, mãe de cinco crianças. O Exército sírio e a Rússia negam atacar civis.
A leste da província de Idlib, a segunda maior cidade da Síria, Aleppo, foi invadida por rebeldes na noite de sexta-feira (29), em uma ofensiva que deixou dezenas de soldados mortos, segundo o Exército, e forçou o regime a se retirar da cidade para organizar um contra-ataque.
Segundo o OSDH, o regime sírio perdeu o controle total de Aleppo. O diretor da entidade sediada no Reino Unido, Rami Abdel Rahman, afirmou à AFP que o Hayat Tahrir al Sham e seus aliados “controlam Aleppo, exceto os bairros sob controle das forças curdas”.
Trata-se de uma importante derrota simbólica —Aleppo estava nas mãos do regime desde 2016. A vitória naquele ano foi um dos principais pontos de virada da guerra, quando as forças sírias apoiadas pela Rússia e pelo Irã sitiaram e devastaram enormes áreas daquela que havia sido a maior cidade do país.
Os rebeldes disseram ainda que capturaram a cidade de Khansir, na tentativa de cortar a principal rota de abastecimento do Exército para Aleppo, e a propriedade de Sheikh Najjar, uma das principais zonas industriais do país. Não é possível confirmar independentemente os relatos.
Aleppo, porém, estava vazia e suas lojas, fechadas neste domingo. Os moradores que permaneceram se resguardaram em suas casas —ainda havia um grande fluxo de civis deixando a cidade, disseram testemunhas. Nas ruas, combatentes rebeldes armados agitavam a bandeira da oposição, disse Yusuf Khatib, um morador, à Reuters.
Ahmad Tutenji, um comerciante de New Aleppo, bairro nobre da cidade, disse ter ficado surpreso com a rapidez com que o exército saiu. “Estou chocado com como eles fugiram e nos abandonaram”, afirmou.
Abdullah al Halabi, um aposentado cujo bairro, perto da área central de Qasr al Baladi, foi bombardeado, disse que as pessoas estavam aterrorizadas com a possibilidade de verem uma repetição dos ataques que mataram milhares de pessoas antes de expulsar os rebeldes, há cerca de uma década.
Embora sem um fim formal, a guerra, que matou centenas de milhares de pessoas e deslocou milhões, estava em uma espécie de suspensão desde 2020, quando a Rússia, aliada do regime, e a Turquia, aliada dos rebeldes, concordaram com um cessar-fogo.
O ataque desta semana, porém, pode interromper a relativa calma no país. Em declarações publicadas na mídia estatal, o ditador Bashar al-Assad disse que “os terroristas só conhecem a linguagem da força e é com essa linguagem que os esmagaremos”.
Agora, no entanto, os aliados de Assad encontram-se em outra situação. Enquanto a Rússia se concentra na Guerra da Ucrânia desde que invadiu o país vizinho, em fevereiro de 2022, o Irã viu aliados perderem força em diversos conflitos que eclodiram no Oriente Médio desde os atentados de 7 de outubro em Israel.
A falta dessa mão de obra para ajudar a conter o avanço rebelde nos últimos dias contribuiu para a rápida retirada das forças do Exército sírio, de acordo com duas fontes de segurança que falaram com a Reuters. Milícias aliadas ao Irã lideradas pelo Hezbollah, por exemplo, têm uma forte presença na área de Aleppo, e o grupo armado sofreu perdas durante os combates com Tel Aviv no Líbano.
O chanceler iraniano disse, antes de viajar a Damasco neste domingo, que “apoia firmemente o Exército” sírio. Um dia antes ele havia ligado para seu homólogo russo, Serguei Lavrov, e destacado a “necessidade de vigilância e coordenação” entre os dois países.
Já o ministro das Relações Exteriores da Turquia, Hakan Fidan, afirmou neste domingo ao secretário de Estado americano, Antony Blinken que Ancara não permitirá ameaças terroristas contra civis sírios, disseram fontes diplomáticas turcas.
Embora apoie grupos rebeldes que atuam na Síria, a Turquia considera grupos militantes curdos, como o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), organizações terroristas, assim como o Hayat Tahrir al-Sham, que liderou a atual ofensiva contra a ditadura.
A Casa Branca, por sua vez, afirmou no sábado que o governo de Assad perdeu o controle de Aleppo por sua dependência da Rússia e do Irã e pela sua recusa em avançar com um processo de paz traçado em 2015 pela ONU.
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